Capacidade abundante, mas seletiva, para as energias renováveis

Ainda que não falte apetite das seguradoras, subscrição hoje é técnica e com ênfase na gestão de riscos

Os investimentos em energias renováveis são vitais para o futuro da economia brasileira e global, e o mercado segurador tem um papel importante neste processo.

Nesta semana, mostramos que capacidade é o que não falta para os riscos de renováveis, mas o rigor na subscrição vai continuar sendo a regra do jogo. Além disso, há dificuldades para transferir o risco das novas tecnologias que não param de pipocar no setor.

Esta é a última edição da RSB com acesso livre para todo o mundo. A partir de fevereiro, o conteúdo completo da newsletter será restrito aos assinantes premium. Sua assinatura nos ajudará a produzir jornalismo isento e de qualidade no setor de seguros e da gestão de riscos

Boa leitura!

Nesta edição:

Rigor na subscrição é a regra nos seguros para energias renováveis

Crédito: Ricardo Stuckert, Agência Brasil

O mercado de seguros está de olho no crescimento das energias renováveis, oferecendo novas fontes de capacidade e uma gama mais ampla de serviços na medida em que os investimentos não param de crescer.

Mas os subscritores enfrentam importantes desafios na hora de oferecer coberturas às empresas do setor, como a dificuldade de assegurar novos tipos de equipamentos em usinas eólicas e solares, cuja tecnologia evolui a passos acelerados.

E os sponsors de projetos também precisam se esforçar para transferir suas exposições, uma vez que o mercado está bastante exigente quanto à qualidade da gerência de riscos de seus potenciais clientes.

Uma coisa é certa: para seguir crescendo, as empresas que desenvolvem parques de energias renováveis precisam continuar encontrando coberturas de seguros para seus projetos.

Tendência global

Oportunidades para sponsors e suas seguradoras não devem faltar.

As energias renováveis são uma prioridade tanto do Novo PAC quanto do Plano de Reindustrialização lançados pelo governo federal nos últimos meses.

A expansão do mercado livre de eletricidade e a proliferação de acordos bilaterais entre produtores e grandes consumidores de energia limpa também devem seguir impulsionando o desenvolvimento de novos projetos que não dependam de licitações feitas pelo governo federal.

Além disso, a aprovação da lei que permite o desenvolvimento de projetos de energia eólica offshore abre uma nova vereda de potenciais investimentos em renováveis no país.

A tendência, claro, não ocorre só no Brasil.

A Agência Internacional de Energia estima que, nos próximos cinco anos, o volume de energia produzido por novos projetos de renováveis em todo o mundo superará ao que foi adicionado nas últimas duas décadas.

Segundo a entidade, investimentos de cerca de US$ 7 bilhões anuais são feitos no Brasil em fontes limpas de energia.

Todos de olho

O mercado de seguros está atento às oportunidades que serão criadas por esse movimento.

Segundo a Swiss Re, os prêmios gerados pelo setor de energias renováveis entre 2022 e 2035 chegarão a US$ 237 bilhões em todo o mundo.

Deste total, US$ 222 bilhões estarão ligados a operação dos parques de geração de energia, e US$ 15 bilhões, à sua construção.

Na América Latina, o volume será de US$ 30 bilhões, a maior parte do qual deve ser originado no Brasil, o principal produtor de energias renováveis da região com alguma distância.

Estimativa da Swiss Re

Novos produtos, muita capacidade

Com o Brasil como uma peça importante no quebra-cabeça da sustentabilidade, não é de estranhar que subscritores tanto nacionais quanto estrangeiros estejam de olho no potencial do mercado.

Novos produtos e serviços estão sendo lançados na medida em que o número de projetos não pára de aumentar.

A Zurich, por exemplo, em setembro passado anunciou sua entrada no setor de energia eólica e solar, oferecendo coberturas para riscos nomeados e operacionais e riscos de engenharia, além de cyber, D&O, garantia e responsabilidade para as empresas do ramo.

Por sua vez, a Tokio Marine, uma das mais ativas seguradoras no segmento, colocou à disposição de seus clientes em julho os serviços da Clir, uma empresa canadense de gestão de riscos operacionais em projetos de energia renovável.

Outro sinal do interesse do mercado de seguros é a capacidade disponível para as empresas do setor, descrita como abundante por corretores.

Os players locais têm dado apoio a esses projetos.

Pedro Farme, CEO da Guy Carpenter Brasil

Farme explica que a experiência do país com energias renováveis, que respondem por mais de 90% da geração doméstica, faz com que o mercado esteja mais cômodo com o risco que em outras partes do mundo.

De fora também

Não há notícia de falta de capacidade doméstica para projetos nas três principais linhas demandadas, a saber, o seguro garantia, os riscos de engenharia e os riscos patrimoniais, afirma ele.

Conta a favor do setor a reduzida exposição a eventos catastróficos. Terremotos, tempestades de granizo e vendavais podem causar sinistros em série especialmente em projetos solares, e este não é um problema com que o mercado brasileiro tenha que se preocupar demasiado.

É verdade, porém, que o mercado está começando a diferenciar as exposições catastróficas dentro do Brasil após os eventos climáticos dos últimos anos.

Além disso, há apetite pelo risco tanto no mercado local quanto no resseguro offshore, uma opção cada vez mais utilizada pelas empresas brasileiras quando os projetos exigem investimentos mais elevados e utilizam estruturas sofisticadas de financiamento, como o project finance.

A capacidade fora do Brasil para energia eólica é gigantesca. Se a gente quiser colocar um limite de R$ 3 bilhões, a gente coloca com alguns mercados apenas.

Marjorye Hoejenbos, sócia diretora na Latin Re

Seletividade

O fato de que exista capacidade não quer dizer que seja moleza para as empresas estruturarem seus programas de seguro.

Hoejenbos diz que, como resultado dos últimos anos de mercado duro, os subscritores estão extremamente seletivos com os riscos que aceitam, e não há indícios de que esta situação vá mudar, ainda que tenha havido sinais de abrandamento do resseguro nas últimas renovações.

Outro desafio é encontrar coberturas para tecnologias em estado incipiente de aplicação, algo muito comum em um setor que vem se desenvolvendo com rapidez.

Paulo Mantovani, diretor de Energia e Mineração na Marsh, acrescenta que a utilização de clausulados mais eficientes e objetivos também ajudaria os compradores a terem acesso a mais fontes de capacidade, especialmente nos mercados offshore.

Segundo ele, os clausulados brasileiros são mais complexos que os internacionais e poderiam ser simplificados e ir mais direto ao ponto.

Isso seria muito bom para todos e ajudaria na regulação de sinistro e na colocação de capacidade.

Paulo Mantovani, diretor de Energia e Mineração na Marsh

Riscos para as seguradoras

Há motivos para as seguradoras seguirem adotando uma atitude cuidadosa, segundo um paper publicado em novembro pela Swiss Re.

A resseguradora suíça destaca três riscos a que se expõem os subscritores que oferecem capacidade para o setor.

O primeiro é a acumulação de perdas catastróficas, algo que pode se intensificar com a proliferação de projetos eólicos offshore ao redor do mundo.

O segundo é ter a capacidade de acompanhar a evolução da tecnologia no setor. É necessário adaptar as tarifas e os clausulados das coberturas na medida em que ocorrem mudanças como o aumento da extensão das pás das torres eólicas ou de novos painéis fotovoltaicos.

Por fim, há o tema dos sistemas de armazenamento de energia, uma tecnologia vital para a viabilidade das renováveis e que ainda está em desenvolvimento.

Os seis principais riscos do mercado de renováveis

  1. Eventos climáticos extremos

  2. Riscos da tecnologia e inovação

  3. Qualidade dos projetos e dos provedores de serviços

  4. Cadeias de fornecimento

  5. Riscos cibernéticos

  6. Riscos políticos, de política pública e regulatórios

Fonte: If P&C Insurance

Envie seus comentários para:
[email protected]

Fala, mercado

Marjorye Hoejenbos, sócia diretora na Latin Re

Como está o acesso à capacidade de resseguro do setor de energia no Brasil?

Nos últimos três anos, muitas empresas de setor careciam de accesso a alguém que mostrasse para elas quais eram as dificuldades em ter acesso à capacidade de resseguro.

Durante o soft market, era muito fácil mudar de subscritor, e alguns fatores não recebiam a atenção que mereciam. Mas logo a capacidade se tornou muito restritiva, e esses pontos começaram a pesar muito.

Então nós coletamos informação dos resseguradores para saber tudo aquilo que dificultava o acesso à capacidade. Porque o ponto crítico para a geração de energia, até hoje, não é falta de capacidade, mas como você acessa essa capacidade.

A subscrição agora é muito técnica e exige muitos detalhes. O negócio não vai direto para o subscritor, ele passa pelos engenheiros, que revisam as informações detalhadamente.

Outro ponto é a discussão de franquias e da precificação, que se tornou muito técnica também.

Nas renováveis a situação é parecida?

Já trabalho com o setor de renováveis há dez anos, e eu vejo que os termos e condições mudaram completamente.

Mas há muita capacidade tanto no Brasil quanto no exterior, e um projeto de energia eólica, por exemplo, pode até escolher.

Só que isso vai depender única e exclusivamente da informação que o cliente possui e que o mercado acessa, do mapeamento de riscos e de tudo aquilo que o cliente está fazendo ali dentro das suas plantas.

Qual é a expectativa para futuras renovações de programas de energias renováveis?

Eu não espero grandes complicações, mas a prevalência de uma discussão mais técnica e mais detalhada vai perdurar por muito tempo.

Isso facilita para a seguradora, e para a resseguradora também, justificar que está subscrevendo aquela conta.

É um processo agregador também para o segurado, porque pode haver pontos que ele não havia enxergado e que é importante conhecer.

Uma tendência muito forte é a questão da avaliação patrimonial dos ativos, o que é tanto uma dificuldade quanto uma exigência.

Cada um olha isso de uma forma diferente, e não existe um lado certo e nem um errado, mas é uma questão de conhecer e entender o que isso significa.

Às vezes os ativos são declarados pelo valor de compra que está no balanço da empresa, e que talvez não foi atualizado.

Mas, de repente, um ativo por que a empresa pagou R$ 10 milhões há cinco anos, hoje custa R$ 30 milhões. Se há uma perda, o subscritor não vai indenizá-la ao 100%.

Por isso, é importante manter atualizada a avaliação patrimonial de ativos como aerogeradores. Isso é algo que vai continuar sendo exigido pelo ressegurador.

Paulo Mantovani, diretor de Energia e Mineração na Marsh,

Como está hoje a subscrição de riscos para projetos de energia eólica?

Hoje, para oferecer taxa competitiva ou manter a taxa que se tem, o mercado está olhando para aqueles clientes que têm um plano de contingência.

Quando isso acontece, você abre um leque maior para trazer mais capacidade, porque o plano de contingência faz com que o cliente retorne à sua capacidade operacional com mais rapidez.

Por exemplo, o guindaste. A gente sabe que é uma dificuldade, porque há vários parques em construção, e, se cair um aerogerador, vai ser preciso ter um guindaste para poder colocar um aerogerador novo.

Se o cliente mostra que existe um plano de contingência que garante a disponbilidade de um guindaste, que possui um plano de manutenção, que dispõe de transformadores de reserva, o mercado já vai olhar isso de um ângulo diferenciado.

Tudo isso porque o subscritor vai pagar os dias em que o parque fica parado, caso tenha vendido uma cobertura de advanced loss of profit em um programa de seguro de construção, ou de lucros cessantes na parte operacional.

Os clientes têm trabalhado mais na elaboração de planos de contingência?

Isso é algo cultural, mas o que está acontecendo hoje é que é a empresa pode estar comprando capacidade muito mais cara do que poderia comprar.

Logicamente, alguns clientes prospectivos ainda não têm a capacidade de investimento para ter um transformador reserva, mas a gente vai alertando que isso é uma exigência do mercado, e daqui a pouco o mercado vai bater muito forte nesse tipo de coisa.

Ou seja, ter um plano de contingência é algo inevitável, ou o resultado vai ser franquias mais alta e falta de capacidade.

O mercado continua duro para as energias renováveis?

O mercado já não está tão duro quanto estava dois anos atrás.

Hoje é possível conseguir melhores condições, mas ainda tem muito caminho adiante antes que possamos dizer que o mercado está soft.

O resultado disso é que a seguradora e a ressegurador a seguem com um olhar bem criterioso em relação ao risco.

Há algum risco que está especialmente difícil de colocar no mercado?

Alguns riscos na fase de construção, mas isso é algo histórico, não é uma questão de mercado hard ou soft.

Por exemplo, no caso de aerogeradores que são protótipos, que não são uma tecnologia consolidada. O protótipo sempre vai ter um tratamento diferenciado.

E a seletividade do mercado é natural em um momento que não há excesso de capacidade. A ênfase em gerenciamento de riscos, nos planos de contingência, veio para ficar.

O setor em números: riscos de engenharia

Uma das coberturas mais importantes para as energias renováveis é a dos riscos de engenharia, fundamental para as etapas de construção dos parques eólicos e solares.

Fontes do mercado esperam mais competição e um aumento no volume de prêmios na medida em que obras de infraestrutura voltam a ganhar fôlego.

Os projetos de energia renovável, uma prioridade tanto para o governo quanto para empresas do setor privado, devem contribuir consideravelmente para o eventual crescimento do ramo.

* De janeiro a novembro. Fonte: Susep

A Tokio Marine e a Zurich, que investem no setor das energias renováveis, são as líderes do mercado.

* De janeiro a novembro. Fonte: Susep

Mercado elabora novas soluções

Na busca por novos clientes em um setor promissor, as seguradoras estão lançando novos produtos direcionados aos projetos de energias renováveis.

Um exemplo é a britânica Hiscox, uma das mais tradicionais participantes do mercado Lloyd’s, que lançou em agosto um subsindicato especializado no setor.

O ESG 3033 é um desdobramento do Syndicate 3033 e está focado na provisão de capacidade para clientes em áreas como a geração de energia renovável e o armazenamento de energia limpa, desde que tenham um bom rating ESG.

Por sua vez, a americana Chubb apresentou em maio uma primeira solução especializada para as chamadas climate techs, empresas inovadoras que apresentam desafios de cobertura para o mercado de seguros devido à falta de um histórico de perdas representativo.

O Chubb Climate+ Renewables foi lançado a princípio no Reino Unido, fornecendo até 50 milhões de libras em capacidade para projetos de renováveis de pequeno e médio porte.

Moderação de preços no resseguro global

Segundo a agência de avaliação creditícia Moody’s, há hoje um maior equilíbrio entre a demanda e a oferta global de resseguros, possibilitando um processo de renovações “relativamente tranquilo” em janeiro.

A agência pondera em uma nota divulgada nesta semana que o mercado está mais assentado porque as resseguradoras apresentaram fortes resultados em 2023, apesar de que as perdas catastróficas foram mais elevadas do que a média histórica.

O setor está colhendo assim os frutos do aperto de condições e redução do apetite por risco nos últimos anos: a Moody’s observa que boa parte das perdas catastróficas de 2023 foram retidas pelas seguradoras primárias.

A chegada de capital novo ao setor ressegurador, também atraído pelo endurecimento do mercado, e um aumento da capacidade de retrocessão também contribuíram para renovações menos tensas em 2024.

O novo normal: US$ 100 bi em perdas catastróficas

A Gallagher Re publicou sua estimativa dos sinistros causados por catástrofes naturais em todo o mundo no ano passado e chegou à conclusão de que o normal agora é que elas passem de US$ 100 bilhões por ano.

Isso porque, em 2023, as perdas catastróficas cobertas por seguros chegaram a US$ 123 bilhões, a sexta vez em sete anos em que a marca é superada.

Fonte: Gallagher Re

Ao todo, a Gallagher Re estima que catástrofes naturais causaram US$ 357 bilhões em perdas econômicas no ano passado. Ou seja, apenas um terço do total estava coberto por seguros.

Houve 63 eventos que geraram perdas econômicas de mais de US$ 1 bilhão, um recorde segundo a Gallagher Re.

Ainda assim, as perdas totais de 2023 foram menores que nos dois anos anteriores, o que talvez explique o fato de que, apesar dos elevados valores, o mercado de resseguros deu uma relaxada no final do ano.

O Brasil teve no ano passado uma rara presença no ranking das maiores perdas catastróficas. As secas que atingiram o país geraram prejuízos estimados em US$ 7,2 bilhões, dos quais apenas US$ 200 milhões foram cobertos pelo mercado de seguros.

Fonte: Gallagher Re

Em destaque

IRB(Re) negocia portfólio de sinistros

O principal ressegurador local brasileiro fechou com o Carrick Group, uma empresa de Bermuda especializada em transações de run-off, a transferência de um portfólio de sinistros associados a sua sucursal britânica.

O IRB(Re) vem nos últimos anos reduzindo sua exposição a riscos de fora do Brasil.

AON: perdas catastróficas para o seguro somam US$ 118 bi em 2023

As estimativas divergem levemente das que foram divulgadas pela Gallagher Re, como reportado acima.

Em 2022, as perdas seguradas chegaram a $151 bilhões, o que representa uma queda de 22%, calcula a Aon.

Foi o quarto ano consecutivo, porém, em que o número supera US$ 100 bilhões.

As perdas de 2023 também foram 31% maiores que a média do século 21.

Crise no Mar Vermelho afeta comércio internacional

Segundo a consultoria Russell Group, os ataques da guerrilha Houthi a rotas de navegação podem ameaçar até US$ 3 trilhões em comércio de mercadorias e, todo o mundo, se resultarem no fechamento das passagens de navios pelo Canal de Suez.

A empresa estima que 12% do comércio mundial passa pelo canal, e a interrupção do tráfico afetaria o equivalente a US$ 718 bilhões em commodities e outros produtos.

Ataques cibernéticos continuam em alta

De acordo com o NCC Group, os ataques de ransomware aumentaram 84% em 2023, na comparação com o ano anterior, chegando a 4,667, o que a empresa diz ter superado em muito suas expectativas para o ano.

Em geral, porém, os ataques apresentaram uma queda de 12% em dezembro com relação a novembro de 2023.

A exceção foi a América do Sul, onde eles aumentaram 19%.

Os setores mais visados pelos bandidos virtuais foram as indústrias, os artigos de consumo e as empresas de tecnologia.

Edições anteriores:

RSB # 3 - Após arrumar a casa, ABGR quer crescer e influenciar

RSB # 2 - Mais capacidade de resseguro à vista?

RSB # 1 - Seguro cyber caro chegou para ficar

Join the conversation

or to participate.