Competição volta, mas falta inovação no mercado de seguros

Para Christian Mendonça, da Norsk Hydro e da ABGR, seguradoras também precisam parar de excluir coberturas como reação a sinistros, uma prática comum que até indica 'falta de inteligência'

Mendonça na conferência anual da RIMS (Crédito: Divulgação)

Em um mercado mais favorável aos compradores de seguros, o que está faltando hoje em dia ainda é inovação por parte dos subscritores.

Essa é a visão de Christian Mendonça, head de Riscos e Seguros da Norsk Hydro no Brasil, que também acredita que as seguradoras precisam interromper a prática comum de excluir determinados riscos das apólices oferecidas a seus clientes a cada vez que ocorre um sinistro importante.

“É uma prática muito ruim a seguradora usar o que aprende quando há um sinistro para restringir o clausulado. É compreensível que ela queira se proteger de recorrências, mas assim está diminuindo o espectro de cobertura do produto que ela oferece a seus clientes, o que acaba por reduzir até o apetite e a intenção de contratação de seguros”, diz Mendonça, que também é vice-presidente do Conselho da Associação Brasileira de Gerência de Riscos (ABGR), em entrevista à RSB.

Parece que algumas seguradoras só usam dados para restringir coberturas e criar exclusões. No final, oferecem quase nada pelo mesmo preço. Esse tipo de comportamento denota falta de inteligência, e deve haver caminhos mais adequados a serem explorados nesse sentido.

Christian Mendonça

Para ele, o que acaba acontecendo nesses casos é que as empresas acabam não comprando o seguro, uma vez que estariam pagando “gato por lebre” por coberturas insuficientes.

“A seguradora deve estar consciente de que, quando vende uma solução para situações de catástrofe, deve continuar dando solução mesmo depois de um sinistro. Ela pode exigir melhor preparação dos compradores, mas não pode simplesmente ir cortando cobertura,” diz ele.

Quando a competição entra em ação

O mercado segurador mostrou um gatilho rápido para criar cláusulas de exclusão e restrições de coberturas depois da pandemia de Covid-19, quando o resseguro global se endureceu, forçando o setor a apertar o cinto na oferta de capacidade.

Nos últimos dois anos, porém, a situação está se revertendo. Mendonça diz que o mercado anda mais brando, oferecendo melhores preços e condições e, o que é mais importante, mostrando maior apetite para determinados riscos.

Ele conta que, durante a conferência Risk World em Chicago, em maio, conseguiu até mesmo encontrar seguradoras dispostas a analisar riscos antes tidos como indesejados. Por exemplo, ligados a smelters, uma instalação de produção metalúrgica que o mercado não estava nem chegando perto nas últimas renovações.

Era um risco com o qual, sem muitas explicações, o mercado estava arredio nesses últimos anos. Algumas seguradoras em particular saíram totalmente do mundo de smelters. Algumas ainda continuam fora, mas outras disseram que queriam olhar o nosso negócio e estavam dispostas a dar capacidade para a gente. Já é uma mudança de postura.

Christian Mendonça

Nem todos os riscos que estiveram difíceis de transferir no mercado duro já estão mais palatáveis em 2025. Mendonça diz, por exemplo, que ainda há uma diferença muito grande entre as necessidades dos clientes e o apetite das seguradoras no setor da mineração ou na metalurgia primária.

Mas hoje já se vê o mercado mais aberto a discutir os preços e as condições dos contratos. O abrandamento é muito visível em regiões como a Ásia, nem tanto nos Estados Unidos, e Mendonça coloca a América Latina no meio deste espectro.

“Também estamos vendo que há mais players aparecendo no mercado, o que é bom, porque aumenta a competitividade”, afirma. “Um mercado mais competitivo traz vantagens aos gerentes de riscos e seguros nas negociações.”

Falta agora apresentar novas ideias

Uma pauta que continua em aberto para o mercado é a inovação.

“Em relação a novas soluções, a novos produtos, ainda não estou vendo muita coisa”, diz ele.

Mendonça cita como exemplo o caso dos seguros paramétricos, dos quais muito se fala já há bastante tempo, mas que parecem não avançar em termos de oferecer soluções reais para as empresas.

Eu quero ver o seguro paramétrico ir além dos gatilhos atrelados a eventos climáticos. Quero ver o paramétrico ligado a uma quebra de máquina, ou a um lucro cessante contingente. Não só paramétrico que se aciona se chove demais ou chove de menos, se venta demais ou venta de menos, se faz calor demais ou se faz muito frio.

Christian Mendonça

Ele reconhece que algumas empresas estão trazendo novas ideias ao mercado brasileiro. Um bom exemplo é a AVLA, seguradora chilena que tem introduzido iniciativas interessantes em setores como o seguro garantia.

“Algo já começa a aparecer, mas é preciso acelerar um pouco mais esse processo”, diz ele.

Retenção e confiança na gestão de riscos

Mendonça (de camisa escura) já há quase uma década chefia o
departamento de Riscos e Seguros da Norsk Hydro (Crédito: Divulgação)

Um efeito do mercado hard que não deve se perder tão cedo é o maior nível de retenção de riscos que os compradores de seguros tiveram que assumir.

O aumento das franquias foi tão elevado, em alguns casos, que empresas começaram a olhar para soluções alternativas, como as cativas de resseguros e os seguros paramétricos, para transferir as camadas iniciais de alguns programas de seguros.

Agora as franquias ao menos pararam de aumentar. Mas, apesar de o tema ter voltado às mesas de negociação, Mendonça acredita que é necessário que cada gestor faça uma avaliação criteriosa da situação de sua empresa.

Em alguns casos, pode haver benefícios em reduzir retenções e franquias com em reduções de prêmio. Em outras, os atuais níveis de retenção podem continuar favoráveis.

Nós vivemos um movimento interno de aumento das nossas retenções nos últimos cinco anos, em parte forçada pelo mercado, em parte por decisões estratégicas. Com base na curva de cálculo no nosso TCOR, entendemos que temos melhorado as nossas operações para estarem menos expostas a incidentes.

Christian Mendonça

O Total Cost of Risk (TCOR), ou Custo Total do Risco, é uma fórmula utilizada para estimar o valor dos riscos seguráveis. Ela reflete o impacto das medidas de prevenção implementadas por uma empresa e, consequentemente, seu apetite de retenção de riscos.

A lógica do mercado é que, quanto mais uma empresa retém seus riscos, mais confiança tem de que as perdas não vão ocorrer, aumentando a possiblidade de conseguir bons preços e condições das seguradoras.

No caso da Norsk Hydro, a fórmula mostra que as políticas de gestão de riscos estão funcionando, segundo Mendonça.

Se a gente gente realmente acredita nisso, não faz sentido transferir riscos para o mercado como fazia anteriormente. Se eu abaixar um pouquinho a minha retenção, será que o impacto nas condições vai ser muito drástico? Agora, com o mercado mais brando, de repente eu posso pagar o mesmo nível de prêmio, baixando um pouquinho a minha retenção e conseguindo um pouco mais de cobertura.

Christian Mendonça

De qualquer maneira, ele considera bastante improvável que o mercado volte aos níveis de retenção anteriores aos da pandemia, quando eram bem inferiores aos atuais.

Experiência em uma função que ganha importância

Formado em Comunicação Social e com um MBA em Administração de Empresas, Mendonça chegou ao mercado de seguros em 2002, quando trabalhou na antiga ACE Seguros (hoje parte da Chubb).

Após uma parada na corretora Marsh, ele assumiu a gestão de riscos no grupo Schahin em 2008, a primeira de duas paradas na empresa, entre as quais intercalou outro período como corretor na Marsh.

Há quase uma década foi convidado para assumir o departamento de Riscos e Seguros da Norsk Hydro, onde continua até hoje.

Ele lembra que, quando começou no grupo Schahin, a empresa não contava com um profissional dedicado exclusivamente à gestão de riscos e seguros, apesar das grandes dimensões de suas operações.

“Era algo muito comum e que ainda acontece até hoje. Felizmente, porém, já acontece menos. Hoje as empresas já percebem a necessidade e a importância do gestor de riscos e de uma área de seguros”, diz ele.

Prova desta mudança, na sua opinião, é que há profissionais jovens entrando na área a participando das iniciativas direcionadas ao setor.

Muita gente já vislumbra a posição como uma oportunidade real de carreira. Ainda estamos longe do que ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a posição de risk manager é mandatória para muitas empresas. Mas a gente vê a função crescendo no Brasil e na América Latina como um todo.

Chrstian Mendonça

Outro exemplo foi a significativa participação de gestores de riscos brasileiros na conferência da RIMS deste ano.

Já há vários anos Mendonça comparece ao RIMS World, e em 2025 não foi diferente. Mas desta vez ele viajou a Chicago, que sediou a conferência deste ano, na companhia de uma nutrida delegação de gestores de riscos brasileiros.

Foi um grupo de 16 profissionais que aproveitaram as condições especiais que a Risk Management Society (RIMS) ofereceu para sua contraparte brasileira, a ABGR. Neste ano, as condições foram estendidas para membros e não-membros da associação.

“É uma oportunidade de estabelecer conexões e uma rede de relacionamento, de conteúdo e de relevância”, diz ele.

Mais importante em um mercado que muda

Com as mudanças que chegarão ao mercado de seguros em dezembro, é provável que cada vez mais empresas acordem para a necessidade de ter um profissional gabaritado cuidando da área.

Mesmo para um gestor de riscos experiente como Mendonça, a adaptação do processo de avaliação e transferência de riscos às regras introduzidas pela Lei nº 15.040/2024 vai exigir algum trabalho.

“É um motivo de atenção”, diz ele. “A gente já tem um modelo de trabalho que se adequa muito bem ao que a nova lei determina, mas ela vai demandar novos ritmos, teremos que estruturar as renovações.”

Mendonça diz que sua equipe está preparada para cumprir as obrigações impostas pela lei no que diz respeito à coleta de informações durante os processos de subscrição e de regulação dos sinistros. No entanto, é possível que nem todos os envolvidos estejam na mesma situação.

Eu tenho bastante preocupação sobre a capacidade do mercado, seja o broker, o segurador ou o ressegurador, de cumprir os ritos dentro dos prazos que estão determinados pela lei. E o meu receio é que, se não estiverem bem preparados, eles neguem os riscos como uma resposta padrão, para depois dizer se vão ou não vão aceitar. Isso pode gerar retrabalho e exigir mais tempo das empresas.

Christian Mendonça

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