Desnecessário, PLC 29 pode afetar capacidade de seguro e resseguro

Thais Arza Monteiro, do Mattos Filho, vê seguradoras já preocupadas com eventual aprovação

Thais Arza Monteiro (Divulgação)

A nova lei de seguros que pode ser aprovada pelo Congresso Federal não é necessária e, se aprovada, pode afetar as coberturas de grandes riscos no país.

Além disso, a nova legislação pode tornar o Brasil um mercado menos atrativo para o resseguro internacional.

Essa é a visão de Thais Arza Monteiro, sócia de seguros e resseguros no Mattos Filho, em São Paulo.

Atualmente, o PLC 29/2017, que é apoiado pelo governo, encontra-se em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, e a expectativa é que logo seja aprovada e reencaminhado para a Câmara.

Entidades do setor de seguros e de gestão de riscos têm feito críticas ao projeto, mas poucas mudanças foram feitas como resultado. (Leia mais na edição da semana passada da RSB.)

Monteiro afirma que as seguradoras já estão começando a se preocupar com a perspectiva de que o projeto será aprovado, mas ainda não estão se preparando para as eventuais mudanças, até porque não se sabe qual será a versão final do texto. Leia abaixo os principais trechos de entrevista exclusiva à RSB:

É realmente necessário criar uma lei específica para o mercado de seguros?

Nossa visão é que não há necessidade de uma de uma nova lei. No Brasil, já temos todos os dispositivos do Código Civil, decretos de lei, um arcabouço legislativo que é um pouco antigo, já tem 23 anos, mas que funciona bem.

Além disso, a Susep tem buscado editar atos normativos que tratam de alguns temas específicos e que de fato são necessários.

Então, não há necessidade, principalmente porque esse PL se aplica para os seguros massificados e para os de grandes riscos, equiparando os dois.

Para os riscos massificados, além do Código Civil, já existe o Código de Defesa do Consumidor e outras normas, e o PL simplesmente reproduz o que eles dizem.

Para os grandes riscos, ele não é necessário e contraria legislações recentes como por exemplo a Lei de Liberdade Económica.

Além disso, trata-se de um projeto de 2004 e que está muito desatualizado.

O mercado vinha em uma tendência correta, com a legislação recente da Susep privilegiando a paridade contratual, e nesse ponto o PLC 29 vai ser um retrocesso.

Quais podem ser as consequências do PLC 29?

Ele vai tentar engessar um mercado que é essencial para o desenvolvimento do país e da infraestrutura.

Alguns dos dispositivos dizem que, se as partes tiverem contratado algo diferente do que foi apresentado à Susep, prevalece o que está depositado na Susep, mesmo em caso de grandes riscos.

A gente vem conversando bastante com as seguradoras, e elas podem ter mais receio em querer rediscutir alguma cláusula e ser mais aberta em algum tipo de condição.

É um retrocesso, porque a realidade já não é essa. Hoje já é muito comum a discussão do clausulado em grandes riscos, até para ajustar o tipo de risco e de cobertura.

Mas esta maior regulação não pode dar mais proteção ao comprador contra recusas de coberturas decididas de forma arbitrária pelas seguradoras?

Para um consumidor de seguro massificado, esta proteção já na ótica do Código de Defesa do Consumidor. E ela não se aplica para os seguros de grandes riscos.

Como é que a gente vai falar de uma abusividade de um contrato de um seguro de R$ 1 bilhão? Quem está do outro lado é uma empresa estruturada, com um departamento jurídico e plena capacidade de conhecer o produto que ela está comprando.

O projeto também parece ter uma visão de que é preciso proteger as seguradoras contra o resseguro internacional em processos de arbitragem fora do Brasil. Isso é algo necessário?

Não, isso não tem necessidade e não deveria estar regulado.

Também há algumas disposições se aplicariam para uma relação entre seguradora e resseguradora e que tampouco são necessárias.

Por exemplo, a questão de aceitação tácita do resseguro. A resseguradora teria um prazo para aceitar ou não o risco, o que é novamente uma interferência indevida em uma atividade empresarial.

Isso pode afetar até mesmo o apetite do mercado ressegurador de vir para o Brasil.

O mesmo passa com a sujeição dos litígios a uma arbitragem no Brasil. Os contratos de resseguros normalmente vêm de fora, com o resseguro todo regulado fora do Brasil.

A imposição de uma arbitragem no mercado local, como o que se quer fazer no Brasil, não existe nenhum tipo de mercado.

E há uma outra provisão sobre resseguro que nos preocupa bastante, que é a obrigação de uso imediato dos valores no momento em que são recebidos pela seguradora.

Às vezes, a a seguradora faz o cash call, mas vai recebendo os valores em mais de uma vez. Nesses casos, ela primeiro recebe e depois paga a indenização de uma só vez.

A obrigação de usar esses valores tão logo ela receba vai criar questões burocráticas relevantes, porque a seguradora vai ter que pagar aos poucos a indenização.

Você sente que as seguradoras estão preocupadas com a possível aprovação do projeto?

Sim, hoje existe uma preocupação. Nossos clientes estão prestando mais atenção a ele.

Mas ainda não há um movimento para as seguradoras se adaptarem ao projeto.

Elas terão que fazer muita coisa importante em termos de organização administrativa e de gestão interna, talvez tenham que criar novos novos setores.

Mas ainda há uma esperança de que, se o projeto passar, vai ser com alguns ajustes. E, de qualquer modo, deve haver um prazo para adaptação.

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