Mercado ainda tem muito a melhorar em customização de coberturas

Vanessa Souza, diretora secretária da ABGR, cobra maior proximidade de brokers e subscritores com seus clientes

Vanessa Souza, diretora secretária da ABGR (Crédito: Divulgação)

Nesta edição:

Customização e tecnologia são tarefas pendentes do mercado segurador

Cada empresa tem suas próprias características, processos e riscos. Ainda assim, o mercado de seguros resiste a oferecer coberturas customizadas para as necessidades das organizações.

Isso precisa mudar, avalia Vanessa Souza, diretora secretária da Associação Brasileira de Gerência de Riscos (ABGR).

Para ela, corretores e subscritores necessitam trabalhar de maneira mais próxima com os compradores de seguros a fim de compreender os riscos específicos de cada cliente.

Além disso, também precisam fazer um esforço para acompanhar a evolução tecnológica das empresas.

Brokers: uma barreira entre seguradoras e clientes?

Do lado dos intermediários, Souza observa que, em certas situações, há uma certa resistência por parte de alguns corretores em trabalhar em conjunto com o gerente de risco e a seguradora.

Para ela, na colocação de grandes riscos, é importante que o comprador e os subscritores estejam em contato direto para alinhar suas percepções do risco.

Quem está no dia a dia da operação tem uma visão mais clara do risco real. Quando há uma interlocução indireta, a percepção transmitida pode não refletir com fidelidade as reais necessidades da organização.

Vanessa Souza, diretora secretária da ABGR

Ela afirma que nem todos os corretores atuam dessa maneira, e que alguns já reconhecem que uma participação ativa dos compradores aumenta chance de conseguir coberturas mais satisfatórias e, assim, garantir que o contrato seja assinado.

Souza também reconhece que muitas vezes os brokers e subscritores brasileiros trabalham com equipes enxutas, o que dificulta que seja dedicado muito tempo a cada cliente.

Ainda assim, muitos parecem insistir em manter uma distância entre os compradores e os subscritores de seguros.

Uma subscrição que pode ser mais criteriosa

Da mesma maneira, ela observa que as seguradoras tender a focar mais em processos de subscrição baseados puramente em formulários, sem realizar inspeções sobre as medidas de prevenção tomadas pelos clientes.

Uma ou outra seguradora tem a preocupação de olhar de perto a gestão de riscos. A maioria fica só no questionário de subscrição, que é uma coisa muito distante, muito fria.

Vanessa Souza

Essa atitude é problemática por vários motivos. Por exemplo, dificulta a elaboração de coberturas customizadas de acordo com as necessidades de cada cliente, uma prática ainda em desenvolvimento no mercado brasileiro.

Souza observa que as seguradoras fizeram alguns avanços em termos de customização de coberturas, especialmente em produtos como o seguro garantia e outras linhas de grandes riscos.

No entanto, ainda é muito frequente a situação em que o comprador se vê obrigado a adquirir apólices padronizadas que não entregam exatamente o que o cliente necessita.

Ainda temos que trabalhar com produtos que acabam adicionando muitas coberturas que a empresa não utiliza. Para consolidarmos esse ambiente de ampliação da customização de coberturas, é preciso haver mais proximidade do mercado.

Vanessa Souza

Riscos novos e mais desafiadores

A falta de coberturas padronizadas é preocupante porque os riscos enfrentados pelas empresas tomam formas cada vez mais variadas, e o mercado precisa acompanhar sua evolução.

Souza conta, por exemplo, que ainda é impossível encontrar uma cobertura de seguro para o risco de curtailment, ou seja, de uma restrição temporária de acesso das geradoras de energia às redes de distribuição.

Trata-se de um tipo de evento que pode ser causado, por exemplo, por uma decisão do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para administrar riscos de sobrecarga do sistema. Para quem gera energia, o efeito é uma perda financeira por não poder escoar energia que já está produzida.

As apólices de lucros cessantes poderiam proporcionar uma alternativa para esse risco. Porém as que estão disponíveis no mercado só são acionadas em casos onde a interrupção do negócio tem origem em danos físicos nos ativos segurados, o que não se aplica a esse tipo de situação.

O risco de curtailment é bastante latente para o nosso setor e hoje não conta com uma solução de seguros.

Vanessa Souza

E a capacidade de inovação?

Da mesma maneira, as seguradoras precisam oferecer produtos inovadores que acompanhem, além dos riscos, a evolução tecnológica de seus clientes. Souza diz que isso está acontecendo a passos lentos que não refletem a aceleração do desenvolvimento tecnológico hoje em dia.

Ela cita como exemplo as usinas flutuantes de produção de energia solar, para as quais ainda é muito difícil encontrar alternativas de transferência de riscos.

É uma dificuldade colocar esse risco, tanto nos seguros de obra quanto nos seguros operacionais. Hoje aqui no Brasil só uma seguradora aceita riscos de equipamentos sobre água. Essa é uma grande oportunidade para o nosso setor se desenvolver, mas o mercado ainda tem contratos muito restritivos e não está conseguindo acompanhar na mesma velocidade o desenvolvimento tecnológico.

Vanessa Souza

A restrição não vem só das seguradoras primárias, já que a maioria dos contratos de resseguro excluem equipamentos sobre água, segundo Souza. Para ela, os subscritores seguem muito focados nos históricos de perdas, que naturalmente têm uma amplitude reduzida quando se fala de novas tecnologias.

Com essa atitude, a reação natural das seguradoras é excluir o risco, e o mesmo acontece quando as perdas são maiores do que as originalmente esperadas pelas seguradoras.

No passado, enfrentamos sinistros relacionados a trincas em módulos de energia solar e, inicialmente, observamos uma reação do mercado no sentido de excluir esse tipo de risco das apólices”, comenta Souza. “Sempre busco dialogar com corretores e seguradoras no sentido de, em vez de adotar medidas restritivas, refletirmos conjuntamente sobre alternativas para mitigar e administrar o risco de forma sustentável.”

Ela observa, no entanto, uma tendência ainda presente no mercado de adotar posturas mais conservadoras, como exclusões.

A voz de quem conhece o setor a fundo

Souza fala com a experiência de quem conhece todos os lados envolvidos no processo. Ela trabalha no setor de seguros há mais de 20 anos e já atuou em corretoras, seguradoras e empresas de regulação de sinistros.

Riscos de usinas solares fazem parte do dia a dia de Souza (Crédito: Divulgação)

Seu trajeto lhe levou à especialização em um setor de energia, que é crítico para a economia e que de maneira nenhuma padece de uma escassez de riscos importantes para as empresas.

Por exemplo, a situação econômica do país requer atenção, pois temas como inflação, a reforma tributária e a capacidade financeira dos clientes exercem um impacto nas atividades do setor.

Há um histórico importante de grandes empresas que enfrentaram fraudes ou tiveram dificuldades de crédito. O risco económico é sempre um ponto de atenção para nós.

Vanessa Souza

Clima, risco regulatório e risco operacional

As mudanças climáticas, que se refletem em uma maior frequência e intensidade de desastres naturais, representam outro fator importante, assim como a responsabilidade ambiental

“A empresa não consegue uma licença para iniciar um projeto se não tiver esse risco muito bem mapeado”, diz ela .

O risco tecnológico também está em alta, visto que empresas do setor já sofreram ataques cibernéticos, causando a paralisação de serviços e gerando perdas. Souza também põe muito foco nos riscos operacionais.

Falhas em processos internos, ausência de investimentos em ações preventivas ou preditivas, fraudes e avaliações inadequadas de risco são fatores que geram impactos relevantes para o setor. Por isso, é fundamental que essas exposições sejam devidamente mapeadas e analisadas com atenção.

Vanessa Souza

Para completar, o mercado energético está sempre sujeito a mudanças regulatórias que muitas vezes causam disrupção à atividade das empresas.

“Hoje há uma medida provisória em discussão que traz um pouco de incerteza para o nosso mercado. Ela abrange a abertura do mercado livre, a tarifa de energia elétrica, a redistribuição de encargos, o fim de alguns subsídios. Isso tudo tem que estar muito bem mapeado e requer acompanhamento dos gestores de risco”, observa Souza.

Função avança, mas ainda falta conscientização

Souza vê avanços na gestão de riscos e de seguros nos últimos anos, mas acredita que ainda há muito o que fazer para disseminar a função no Brasil.

“Já é possível perceber um movimento crescente de empresas mais atentas à gestão de riscos e empenhadas em compreender melhor o funcionamento do mercado de seguros. Aos poucos, torna-se evidente que contratar uma apólice, por si só, não é suficiente”, diz ela.

Quando ocorre um sinistro e as informações ou coberturas não estão devidamente alinhadas, os prejuízos podem ser significativos. As organizações têm entendido que a gestão de riscos não pode ser tratada de forma superficial. Ela exige planejamento, diálogo técnico e integração com as estratégias de negócios.”

Vanessa Souza

Ela conta que iniciou sua trajetória em seguros na área de sinistros, trabalhando com clientes que haviam sofrido perdas significativas em decorrência da ausência de um programa estruturado de gestão de riscos. Para ela, no entanto, não se deve esperar que eventos adversos ocorram para que o tema ganhe a devida atenção.

“O mais importante é destacar o valor estratégico que a gestão de riscos agrega às organizações e desconstruir a ideia de que se trata apenas de mais uma camada de burocracia ou de custos adicionais”, afirma.

Ela observa também que a maturidade na gestão e na percepção dos riscos impacta diretamente a eficiência das decisões corporativas.

“Quanto mais a empresa investe no aprimoramento da gestão de riscos, mais desenvolve sua capacidade de decisão no dia a dia. Ainda há organizações que não conseguem enxergar que esse processo contribui para ganhos financeiros, maior previsibilidade e, acima de tudo, um entendimento mais profundo sobre o próprio negócio.”

Vanessa Souza

Novas regras exigirão adaptação das empresas

Tudo indica que a função será cada vez mais necessária nas empresas, até porque a entrada em vigor da nova Lei do Contrato de Seguros, em dezembro, vai dar muito trabalho para os profissionais da área.

Souza entende que a nova lei terá um efeito positivo por estabelecer regras específicas para o mercado de seguros, aprimorando a segurança jurídica, uma vez que, até agora, o setor tem sido regido por normas contidas no Código Civil.

Mas também vai exigir um trabalho intenso de adaptação por parte de compradores, corretores e subscritores, até porque muitas das questões levantadas pela nova legislação para os grandes riscos ainda não estão claras para o mercado.

Por exemplo, futuras restrições sobre a quantidade de informações solicitadas durante o processo de subscrição parecem ser de difícil aplicação, já que cada seguradora exigirá informações especificas para sua análise. Hoje em dia, um único questionário é enviado a todo mercado, com informações padrão e demandas adicionais que são solicitadas ao decorrer do processo de subscrição.

“Quando lidamos com riscos mais complexos, que demandam soluções fora dos padrões tradicionais, é essencial que haja tempo hábil e um fluxo mais intenso de informações entre as partes. Esse processo de troca é fundamental para que a seguradora compreenda adequadamente as particularidades do risco e possa, a partir disso, desenvolver uma cobertura realmente customizada e aderente às necessidades do cliente.

Vanessa Souza

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