Mercado começa a se preocupar com impacto de Trump sobre resseguros

EUA tem déficit de US$ 33,1 bi na área; guerra comercial também poderia levar seguradoras a limitar sua presença internacional, avisa think-tank

Trump já deixou claro que não gosta de déficits comerciais (Crédito: @WhiteHouse/Fotos Públicas)

A política comercial do governo de Donald Trump nos Estados Unidos está alimentando incertezas para vários setores econômicos. Até o momento, porém, esse não parece ser o caso do mercado de seguros.

A situação poderia mudar, porém, caso as atenções do governo americano se voltem para o setor de resseguros, onde os EUA possuem um grande déficit com o resto do mundo.

De acordo com a US International Trade Commission, uma agência do governo americano, os EUA exportaram US$17,5 bilhões (R$ 103,2 bilhões) em resseguros em 2023. As importações, no entanto, chegaram a US$ 50,6 bilhões (R$ 298,4 bilhões).

Trump já demonstrou que déficits comerciais não são de seu agrado tem anunciados tarifas sobre importações de vários produtos que variam de 10% a 25% (algumas das quais devem atingir exportações brasileiros).

Até o momento, sua atenção parece estar focada no déficit comercial de produtos tangíveis como automóveis, petróleo e produtos agrícolas. Não se deve, porém, descartar a possibilidade de que algo seja feito também para tentar reduzir o déficit americano no comércio de serviços como o resseguros, alertou Kai Uwe Schanz, diretor do think-tank de seguradoras The Geneva Association.

O comércio de serviços tem crescido mais rapidamente que o de produtos, então nós precisamos necessariamente estar atentos. No que diz respeito ao comércio de resseguros, a pergunta é, o que o presidente (dos EUA) poderia fazer através de suas ordens executivas?

Kai Uwe Schanz, diretor, The Geneva Association

Taxar o resseguro?

Trump tem utilizado as ordens executivas, algo similares às medidas provisórias brasileiras, para acelerar a implementação de medidas prometidas durante sua campanha. De aplicação praticamente imediata, elas ajudam o governo a avançar sua agenda sem depender de votações no Congresso, onde Trump dispõe de maiorias apertadas.

Em um webinário organizado pela Geneva Association, Schanz observou que, em sua opinião, uma eventual interferência do governo americano no mercado de resseguros ainda parece pouco provável.

Mas também é verdade que não se trataria do primeiro setor econômico surpreendido pela avidez com que o governo americano tem renegado tratados e implementado tarifas e outras medidas retaliatórias contra parceiros comerciais.

Schanz ressaltou no evento que a mercado de resseguros global foi aberto nos anos 1910s em grande parte graças a decisões tomadas pelos Estados Unidos de deixar de exigir colaterais para contratos assinados por cedentes locais, entre outras medidas.

Reverter tais tratados seria uma maneira de sacudir o mercado. Outra seria utilizar a política tributária para dissuadir os compradores de resseguro americanos a buscar capacidade no exterior.

Seria possível aumentar os impostos mínimos sobre as cessões feitas por seguradoras primárias dos EUA ao mercado de resseguros, ou sobre as cessões feitas por resseguradoras americanas a subsidiárias no exterior. Essas seriam ferramentas (que o governo dos EUA pode usar) para lidar com os desequilíbrios.

Kai Uwe Schanz

O seguro em um mundo tumultuado

A Geneva Association publicou no começo do ano um relatório sobre o futuro do mercado de seguros em um mundo conturbado em que pergunta como as atuais incertezas geopolíticas podem impactar o setor.

O documento foi elaborado antes de que as políticas de Trump para seu segundo mandato fossem plenamente conhecidas e já pintavam um panorama complexo para as operações do setor.

O think-tank vê vários desdobramentos de um esperado acirramento da guerra comercial e outros fatores como o desalinhamento entre EUA e Europa, a desaceleração da economia chinesa e os conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia. Alguns são desafios, outros trazem oportunidades para o setor.

Entre os primeiros está a possibilidade de grandes grupos globais de seguros decidam concentrar seus negócios nos mercados domésticos ou mais alinhados ao seu torrão natal, fechando operações em outros países.

É de se perguntar como esse tipo de movimento, caso venha a ocorrer, afetaria o mercado de seguros para empresas brasileiro, que é dominado hoje por empresa europeias, japonesas e americanas.

Valerá a pena ficar neutro?

A Geneva Association crê que países não alinhados aos EUA, Europa ou China podem até acabar sendo objeto de mais investimentos das seguradoras, se a situação não os obrigar a tomar partido em algum momento.

Seria o caso do Brasil, que, como a Índia e África do Sul, entre outros países, adotam tradicionalmente uma política de neutralidade com relação aos grandes conflitos geopolíticos.

Por outro lado, a entidade espera que aumente a demanda por alguns tipos de coberturas, como as de riscos de engenharia e danos à propriedade, na medida em que os países invistam mais em autossuficiência energética.

Seguros cibernéticos, de riscos políticos, D&O e de crédito são outros segmentos que devem ser mais demandados devido ao clima de incerteza global.

Mas, para poder aproveitar de tais oportunidades, as seguradoras terão que caprichar no seu mapeamento de riscos geopolíticos, ajustar suas políticas de investimento e afinar os processos de subscrição para não acabar expostas a algum cisne negro que apareça por aí.

Guerra comercial

No dia-a-dia, as seguradoras podem esperar que a imposição de tarifas pelo governo Trump, e as respostas dos países afetados, aumentem seus custos operacionais.

Economistas creem que a guerra comercial vai criar efeitos inflacionários nos Estados Unidos, por exemplo. Miguel Abecasis, um membro do comitê executivo Sda seguradora portuguesa Fidelidade, alertou no webinário da Geneva Association que isso vai acabar impactando nos custos dos sinistros.

A American Property Casualty Insurance Association (APCIA), uma associação de seguradoras P&C dos EUA, também já levantou o alarma, dizendo em um comunicado nesta semana que as tarifas de Trump sobre o Canadá, o México e a China vão elevar os gastos com sinistros de automóveis entre US$ 7 bilhões e US$ 24 bilhões (R$ 41,2 bilhões e R$ 141,5 bilhões) no país devido ao seu impacto sobre os preços das peças de reposição.

Prováveis interrupções e mudanças nas cadeias de suprimento originadas pela guerra comercial também devem gerar um significativo incremento na frequência de sinistros de seguros de crédito e marítimos, alertou Abecasis.

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