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PLC 29/2017 é aprovado com obstáculos ao resseguro global
Projeto "Benjamin Button" volta à Câmara com expectativa de logo seguir à sanção presidencial
O plenário do Senado em 18/06/2024 (Foto: Divulgação)
Demorou, mas o dia que muita gente no mercado de seguros e resseguros temia finalmente chegou.
O Senado Federal aprovou na terça-feira, 18 de junho, o Projeto de Lei da Câmara número 9, de 2017, que cria um marco legal específico para setor de seguros no Brasil.
Um projeto que no mercado ganhou o nada carinhoso apelido de “Benjamin Button”, porque, a exemplo do personagem do filme, já teria nascido velho.
O texto do projeto ainda vai voltar à Câmara, já que sofreu modificações no Senado, mas a expectativa é que logo siga para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Descrito como uma prioridade do Ministério da Fazenda, que afirma que o projeto vai ajudar a fazer o mercado deslanchar, o PLC 29/2017 vem sofrendo críticas de entidades representativas do setor, como a Fenaber, que representa as resseguradoras, e a ABGR, que reúne grandes compradores de seguros.
Isso porque, entre outras coisas, deverá ter um impacto direto em temas que interessam, e muito, a quem compra seguros corporativos no Brasil.
Curiosamente, o relator do projeto no Senado, Otto Alencar (PSD-BA), disse que um dos objetivos é aumentar os níveis de cobertura de seguros contra desastres naturais. Isso apesar de que uma características do projeto é dificultar o acesso à capacidade global de resseguros.
Se o Brasil conseguir encontrar mais capacidade catastrófica colocando obstáculos ao resseguro, aí sim estará introduzindo uma inovação muito particular à história do setor segurador.
Consumidor
Segundo a Fenaber, como está, o novo marco dos seguros vai causar uma redução significativa da capacidade de resseguro em oferta às cedentes brasileiras.
Já advogados advertem que a falta de diferenciação entre seguros massivos e de grandes riscos, uma das características do projeto, vai reduzir a capacidade dos subscritores de elaborar coberturas sob medida para as necessidades de grandes empresas.
Ou seja, o PLC 29/2017 coloca no mesmo balaio uma apólice de seguro de automóveis e uma que cobre uma frota de aviões.
Não importa se o comprador é um trabalhador e pai de família com recursos limitados ou uma grande empresa multinacional, ambos terão seus direitos defendidos com unhas e dentes pelo Estado.
Sem essa distinção textual de seguro massificado e grandes riscos, o Estado pode voltar a interferir de uma forma desmedida no mercado.
Aumentar a proteção dos consumidores individuais é algo sempre bem-vindo, ainda que advogados digam que o PLC 29/2017 não faz nada por eles que a Lei de Proteção ao Consumidor já não faça.
O que os autores do projeto parecem ter esquecido de perguntar é se os grandes compradores de seguros corporativos e cedentes de resseguros querem ser alvo de tanta proteção.
Resseguros
Nos países onde o seguro para empresas é realmente desenvolvido, como os Estados Unidos, o Reino Unido e a França, a liberdade de negociação entre as partes é um princípio básico de funcionamento do mercado.
A Susep, em anos recentes, reconheceu essa realidade e aprovou medidas que facilitam a elaboração de coberturas sob medida e o acesso ao mercado global de resseguros.
O resultado é que mais empresas estão buscando capacidade de resseguros no exterior, o que não é nada surpreendentemente. Um mercado mais amplo é mais favorável ao consumidor. Além disso, o mercado global de resseguros oferece a possibilidade encontrar coberturas inovadoras.
No primeiro trimestre do ano, segundo os dados da Susep, o volume de prêmios cedidos por cedentes brasileiro ao exterior aumentou 21,1%, na comparação com o mesmo período de 2023, chegando a R$ 3,4 bilhões.
Esse movimento, que, ao final das contas, representa que os níveis de proteção seguradora do mercado brasileiro estão mais elevados, agora pode chegar ao fim, segundo advogados.
O PLC 29/2017, de claro cunho nacionalista, estabelece que disputas entre as partes de um contrato de resseguro em que o risco se encontra no Brasil tem que ser necessariamente dirimido em cortes de arbitragem localizadas também no Brasil e que devem se limitar a interpretar a nova Lei de Seguros.
“Isso traz segurança jurídica para as relações contratuais, independentemente da assimetria de poder de mercado existente entre as partes,” afirmou o senador Alencar, após a aprovação do texto pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, mostrando que a velha visão de que o Brasil está sendo explorado pelos colonialistas estrangeiros continua viva e forte entre os parlamentares.
Mas se trata de uma interferência pouco justificada em um mercado em que é comum que os contratos contenham cláusulas de arbitragem em jurisdições mais maduras, como o Reino Unido, que concentra grande parte dos atores e da jurisprudência relacionada ao resseguro global.
Aceitação tácita
Outra norma que assusta as resseguradoras é que define que um contrato de resseguro será tacitamente aceito 20 dias após o recebimento da proposta, caso o cedente não receba uma resposta nesse período.
Isso significa que as resseguradoras devem adotar medidas para se proteger de riscos indesejados que acabam perdidos em suas caixas de e-mails recebidos. Por exemplo, recusando sumariamente, através de uma resposta de automática, todas as propostas que receberem por esse canal.
Em geral, o que se aproxima é uma tremenda onda de instabilidade jurídica no mercado, uma vez que contratos terão que ser revistos e os clausulados reavaliados, observa Marcia Cicarelli, sócia do Demarest Advogados.
Ela também prevê um engessamento de um mercado que estava evoluindo solidamente nos últimos anos.
O projeto de lei traz excessiva regulamentação das obrigações das obrigações de seguro e, principalmente, de resseguro. Além disso, a aceitação tácita do contrato de resseguro altera a lógica da contratação e cria complexidades desnecessárias.
Desastres
A Fenaber vem alertando que essas e outras medidas contidas no PLC vão comprometer a oferta de capacidade de resseguro no Brasil. O que contrasta de maneira curiosa com algumas observações feitas pelo relator após a sessão do Senado em que o projeto foi aprovado.
Alencar observou que as recentes enchentes no Rio Grande Sul causaram danos estimados em R$ 10,4 bilhões, e que só 16% do total estaria coberto por seguros. E logo pontificou:
O ideal seria que o sistema nacional de seguros privados se aproximasse de absorver quase a totalidade desses riscos. Em mercados mais desenvolvidos, o setor securitário blinda a economia de eventos climáticos, assegurando tanto empresas, lavouras e comércio, quanto também fazendo a cobertura da infraestrutura pública, de pontes, da rede elétrica, de estradas etc.
Resta saber como se vai fazer isso dificultando o acesso à capacidade global de resseguros, algo que os “mercados mais desenvolvidos” certamente procuram evitar. Isso sim será uma tremenda inovação.
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