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Aumento de preços dos seguros na América Latina é 5 vezes maior que a média global

Também nesta edição: a estratégia da ASAS no seguro garantia, mudar as regras do resseguro é uma má ideia, e ONU tenta (de novo) envolver o setor na transição energética

Os preços de seguros estão subindo menos, mas os compradores latino-americanos ainda sofrem mais que seus colegas de outras partes do mundo com os aumentos.

É o que mostra pesquisa da Marsh sobre o mercado no primeiro trimestre. Segundo a corretora, os preços aumentram 5% na região, contra uma média global de 1%. Algumas linhas, porém, já vivem o que parece ser um mercado mais brando, como os seguros cibernéticos, que caíram 6% no período.

Tendências globais como essa acabam chegando ao Brasil pelo mercado de resseguros. Isso porque hoje o resseguro está aberto e integrado ao resseguro global. Melhor então não mexer nas regras do setor, alertaram especialistas em evento da AIDA Brasil. Pena que é justamente isso que o PLC 29/2017 quer fazer.

A incerteza não impede porém que empresas invistam em crescer no setor. É o caso da MGA ASAS, que está apostando forte no seguro garantia, um ramo que, aliás, depende muito de resseguro. A empresa detalhou à RSB sua estratégia para o segmento, que é focada em clientes de médio porte.

Nesta semana também contamos por que a ONU está tentando envolver os seguros com a transição energética, apesar de já ter dado com os burros n’água uma vez. Até porque uma ONG acaba de publicar um relatório implicando que, até agora, é muito papo e pouca ação por parte do mercado segurador, especialmente no que diz respeito às atividades de underwriting.

Só para teerminar: a partir desta semana, a RSB está eliminando o paywall de acesso ao conteúdo, que agora 100% aberto para todos os assinantes. Boa leitura!

Nesta edição:

Altas de preços dos seguros se moderam, mas são mais acentuadas na América Latina

Fonte: Marsh

Os preços dos seguros para empresas aumentaram mais na América Latina do que em outras partes do mundo no começo de 2024, de acordo com o mais recente levamento global da corretora Marsh sobre o tema.

Segundo o estudo, no primeiro trimestre, os preços subiram uma média de 5% nos mercados latino-americanos, em comparação com 1% ao redor do globo.

Em algumas jurisdições, como no Reino Unido e na Ásia, a variação de preços foi até mesmo negativa no primeiro trimestre, reforçando a tese de que o mercado duro pode ter mesmo chegado ao fim.

Os dados do primeiro trimestre confirmam a visão de que as tendências do mercado tardam, mas acabam chegando aos compradores de seguros da América Latina.

Moderação de aumentos

Entre o começo de 2021 e o terceiro trimestre de 2022, os preços aumentaram muito mais no mercado internacional do que nos países latino-americanos. Em alguns trimestres, a variação na região foi menos da metade do que no mercado global.

Desde o final de 2022, porém, a situação se reverteu, e agora o mercado regional está mais duro que o local.

Fonte: Marsh

Ainda assim, a tendência ao abrandamento também é evidente na região.

O ramo em que os preços mais subiram no primeiro trimestre na América Latina foi os dos seguros de responsabilidades, com um aumento de 8%. Não foi pouco, mas foi bem menos que os 15% de alta registrados seis meses atrás.

A Marsh observa que um aumento das fontes de capacidade para linhas de responsabilidade está ajudando a moderar os aumentos de preços nesse segmento.

Já nas linhas de danos, a moderação é mais evidente, com os aumentos médios passando de 8% a 4% no espaço de um ano.

E, como no resto do mundo, o mercado brando já parece ter chegado às linhas financeiras, em que os preços caíram 4% no trimestre.

Entre os seguros cibernéticos, a queda foi de 3%, ainda que a Marsh ressalte que as seguradoras não baixaram a guarda em seu rigor na subscrição de riscos.

Fonte: Marsh

Se o que acontece lá foram é um aperitivo do que vai ocorrer no Brasil, os compradores de seguros podem se preparar para ter mais poder de negociação nas próximas renovações.

Linhas financeiras em queda

O índice global da Marsh caiu pelo 13º trimestre consecutivo, e em alguns segmentos já se notam reduções significativas nas tarifas cobradas pelos subscritores.

É o caso das linhas financeiras, em que o índice global despencou 7% no trimestre, consolidando uma tendência que já dura sete trimestres.

Os preços dos seguros cibernéticos também estão em baixa, fechando o trimestre 6% mais baratos, em média.

Fonte: Marsh

Nas linhas de danos, a Marsh afirma que as maiores pressões por altas se encontram nos EUA, enquanto Ásia, África, o Oriente Médio e a Índia puxam o índice para baixo. A alta global foi de 3% no período.

Também em responsabilidades, em que o aumento também foi de 3%, o principal fator de preocupação é o mercado americano, onde ainda são comuns os chamados “vereditos nucleares” emitidos pelos tribunais.

De modo geral, porém, se pode dizer que o primeiro trimestre do ano refletiu a tendência observada nas renovações dos grandes contratos de resseguro de janeiro, que foram muito menos traumáticas do que no começo de 2023.

ASAS busca crescer no garantia com produtos para clientes de médio porte

Marcelo Assumpção, CEO da ASAS (Foto: Divulgação)

O mercado de seguros espera com água na boca a volta dos grandes investimentos em infraestrutura no Brasil, já que eles devem gerar grande demanda por seguro garantia.

A MGA ASAS não é uma exceção. Mas a empresa está focada não nos prêmios que serão gerados diretamente por investimentos como os previstos pelo Novo PAC do governo federal, e sim em negócios ligados de maneira quase que indireta a eles.

Há uma lacuna no mercado de garantias hoje no Brasil. Trata-se da provisão de seguro garantia para negócios de médio porte.

Marcelino Risden, CEO da ASAS Garantias

O objetivo da ASAS Garantias, braço especializado da empresa, é crescer no mercado das chamadas garantias tradicionais, como as de bids, de performance e de fornecimento, que devem ganhar impulso com o Novo PAC e outros investimentos em infraestrutura.

O mercado de seguro garantia também inclui as garantias judiciais, fartamente usadas por empresas que recorrem de condenações em processos judiciais. Entre as garantias judiciais, a ASAS atua apenas com as que estão ligadas a litígios trabalhistas.

A empresa crê que o foco nas garantias tradicionais é algo que a diferencia no mercado. Segundo Risden, cerca de 80% dos prêmios do segmento de garantia ainda se concentram no ramo judicial.

Clientes fora do radar

Mas Risden diz que a empresa identificou oportunidades em grupos de clientes em que outros subscritores não estão focados no momento.

Para ele, os grandes players do segmento estão especializados em projetos exigem garantias para cobrir obras de infraestrutura de grande valor.

“Nesse setor, a empresa emite meia dúzia de apólices por mês e gera um caminhão de prêmios,” diz Risden.

No outro lado da moeda aparecem as empresas que precisam de coberturas para negócios de menor tamanho e acabam sendo desatendidas pelas seguradoras, na opinião do executivo. Até porque houve um enxugamento da oferta devido à falta de investimentos em infraestrutura nos últimos anos.

“Hoje nós temos 37 seguradoras no mercado. Pouco tempo atrás, eram 56”, diz Risden. “Nós enxergamos um espaço que justificava o investimento para criar uma empresa para atuar nesse segmento. O que não quer dizer que não vamos atender grandes clientes, até porque eles também têm negócios de médio porte.”

Um certo despreparo

A empresa também acredita que muitas das seguradoras que trabalham com seguro garantia hoje estão pouco preparadas para atender esse grupo de clientes.

Nos últimos anos, o tomou gosto pelo seguro garantia judicial, e isso mudou as características das seguradoras. Mudaram os seus contratos de seguro, os seus departamentos comerciais, seus diretores técnicos e operacionais. A ASAS Garantias nasceu justamente como uma opção para essa retomada do garantia de performance no Brasil.

Marcelo Assumpção, CEO da ASAS

Com base nessa estratégia, a ASAS pode participar do fornecimento de garantia ligada a grandes, mas de uma maneira, por assim dizer, indireta. O alvo são os contratos de fornecimento de materiais para os concessionários ou construtores, que exigirão suas próprias coberturas.

Para atender essa clientela de médio porte, a ASAS investiu em tecnologia, desenvolvendo um sistema in house para automatizar o máximo possível a contratação do seguro através de sua rede de corretores.

A análise de risco e feita considerando padrões pré-estabelecidos e só o que escapa a esses limites exige o envolvimento de uma equipe especializada para completar o processo.

“Hoje já produzimos um prêmio considerável ligado ao pequeno e médio negócio”, diz Assumpção. “Contratamos o seguro a uma velocidade que o mercado brasileiro não oferece.”

Marcelino Risden, CEO da ASAS Garantias (Foto: Divulgação)

Quem é a ASAS

A ASAS se descreve como a primeira, e também maior, MGA do Brasil. A empresa foi fundada por Assumpção em 2015. Antes de montar a companhia, ele foi diretor de Riscos Especiais da Excelsior.

Para tocar a operação de seguro garantia, Risden foi contratado em 2021. Anteriormente, ele havia sido CEO e conselheiro da Berkley no Brasil e possui uma longa experiência no segmento de seguro garantia.

Além do seguro garantia, a empresa oferece coberturas em linhas como aviação, responsabilidade civil e riscos patrimoniais tradicionais, especiais e complexos.

Também trabalha com a intermediação de resseguro facultativo em linhas financeiras, patrimoniais e de responsabilidades, além de resseguros para empresas do setor aeronáutico. A empresa trabalha com clientes tanto no Brasil como em outros mercados latino-americanos.

A ASAS conta com uma equipe de 60 pessoas, um quarto das quais trabalha com o seguro garantia. O volume de prêmios contratados através da empresa chegou a cerca de R$ 300 milhões em 2023, diz o vice-presidente de Resseguros LATAM Guillermo Delfino.

Capacidade

A ASAS aloca capacidade fornecida por subscritores baseados em Miami, em Londres e outros centros internacionais, mas também de players locais.

No caso do seguro garantia, quem provê a capacidade é a brasileira allseg, antiga American Life.

Delfino observa que o modelo de negócios de uma MGA como a ASAS, que foi recentemente regularizado no Brasil, permite a grandes seguradoras acessar nichos de mercado em que, de outra maneira, não teriam interesse em investir na infraestrutura necessária para ingressar.

Foi o que ocorreu com a parceria com a allseg, que não possuía uma presença do mercado de seguro garantia até começar a trabalhar com a MGA baseada em São Paulo.

A allseg não tinha expertise em garantia ou um time dedicado ao segmento. Nós dissemos então que faríamos todo o trabalho, e eles emitiriam a apólice com o seu nome. Nós cuidamos da subscrição, da negociação com o cliente e até da regulação do sinistro.

Guillermo Delfino

Ao final de 2023, a allseg aparecia como a 13ª maior empresa do ramo de seguro garantia do Brasil, de acordo com dados da Susep, com um R$119 milhões em prêmios e uma parcela de 2,76% do mercado.

No ano anterior, a empresa reportou prêmios de R$33 milhões e um market share inferior a 1%.

Especialistas cobram manter avanços nas regras de resseguros

Gustavo León e Carolina Oger durante o webinar da AIDA Brasil (Foto: Reprodução)

Especialistas em legislação de seguros fizeram um alerta nesta semana sobre os riscos de realizar mudanças nas regras de resseguros que vêm sendo aperfeiçoadas no Brasil desde o fim do monopólio estatal, em 2007.

Em um webinar realizado pela seção brasileira da Associação Internacional de Direito de Seguro (AIDA), participantes ressaltaram que as regras do setor avançaram muito nos últimos anos e estão ajudando a trazer muita capacidade de resseguro ao país.

É fundamental que isso não seja alterado porque foi um avanço enorme, e a gente vê um aumento exponencial de resseguro para o mercado brasileiro.

Gustavo León, head de Jurídico da Swiss Re no Brasil

Nem León nem os outros participantes do evento mencionaram o Projeto de Lei da Câmara número 29 de 2017, que tramita agora mesmo no Senado, que vai justamente na direção contrária e impõe regras nacionalistas ao mercado de seguro.

Mas o subtexto durante o webinar era claro, uma vez que os participantes estressaram várias vezes a liberdade que cedentes e resseguradores desfrutam hoje para celebrar contratos de acordo com os “usos e costumes” do mercado global, ainda que com algum nível de tropicalização.

“Uma minoria ainda tem saudades do monopólio de resseguros,” disse o advogado Thiago Junqueira, da Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados e da Escola Nacional de Seguros, durante o debate.

Livro

León fez a afirmação durante debate sobre seu livro Seguro no Brasil e os Resseguradores Internacionais, que está sendo lançado pela Editora Roncarati.

Na obra, ele comenta vários avanços feitos pelo mercado, com suporte das autoridades regulatórias, nas últimas duas décadas.

Um deles foi a concessão de maior liberdade para os participantes de contratos de seguro de grandes riscos e resseguros chegarem a acordos sobre clausulados. Isso não quer dizer porém que o mercado é completamente harmônico e livre de conflitos.

A gente tem visto um aumento na quantidade de demandas por arbitragem ou mediação prévia devido a problemas nos contratos de resseguro entre o cedente e o ressegurador.

Gustavo León

Troplicalização

Por esse motivo, os participantes do webinario insistiram muito na importância de que os contratos sejam escritos com muita clareza, uma vez que não existe uma ampla legislação de resseguros que engessaria os clausulados, mas, em teoria, reduziria o escopo para divergências.

“Isso faz com que o contrato de resseguro seja muito importante. É o que vai constituir a lei entre as partes”, disse Carolina Oger, sócia da Costa, Albino & Rocha Sociedade de Advogados e presidente do GNT de Resseguro da AIDA Brasil.

León afirma que, desde o fim do monopólio, tentou-se trazer ao máximo ao mercado brasileiro cláusulas de contratos de resseguro que já existiam no exterior.

Mas logo se se percebeu que isso não seria suficiente, uma vez que era necessário adaptá-las ao Direito brasileiro.

O resultado é que alguns princípios comuns no mercado global, como o da existência de condições precedentes que podem anular uma cobertura, não se aplicam diretamente a contratos que envolvem riscos brasileiros.

Já cláusulas como as chamada de claims cooperation e claims control, que dão maior ou menor direito ao ressegurador de participar da regulação do sinistro pelo cedente, são aplicadas de maneira adaptada ao mercado local.

“A separação é muito clara, mas a genda ainda vê aqui alguma confusão entre as duas cláusulas,” León afirmou. “Nos usos e costumes brasileiros, a gente acabou trazendo o claims cooperation e  o claims control, mas em uma mescla que varia no dia-a-dia, de acordo com o que a resseguradora precisa.”

Mais uma vez, tais considerações precisam ser acordadas com clareza durante as discussões entre as partes do contrato.

A estabilidade do sistema pressupõe um grande afinamento da relação comercial entre seguradores e resseguradores.

Victor Benes, VP acadêmico da AIDA Brasil e sócio da JAB Advogados

Desenvolvimento do mercado

Oger também acredita que o aumento da cessão de resseguro tem sido relevante no mercado brasileiro, e um dos motivos que têm impulsionado esse processo foi a recente flexibilização de limites de cessão aprovada pela Susep.

Se antes, para aumentar os limites de cessão ao resseguradores não locais, o cedente tinha que preparar uma justificativa prévia para o supervisor. Agora, uma mera justificativa técnica a posteriori já é suficiente para validar uma cessão, observou.

Segundo ela, isso ajuda tanto na atração de capacidade quanto na contribuição técnica que o ressegurador pode trazer para o cedente.

Por exemplo, provendo acesso a know-how e a dados de outros mercados que podem ajudar a abrir uma nova carteira de seguros. Um exemplo claro desse processo tem sido o desenvolvimento dos seguros cyber no Brasil, disse Oger.

Ela elogiou a iniciativa de León de escrever um livro que ajuda a compreender melhor um setor que mudou muito nas últimas duas décadas.

O Brasil ainda está carente de obras sobre o resseguro.

Carolina Oger

Resta ver se o autor não terá que atualizá-la no curto prazo. O PLC 29/2017 traz mudanças como a universalização da jurisdição brasileiro para conflitos em contratos de resseguros e a aceitação tácita de riscos por partes das resseguradoras. São novidades que preocupam o mercado.

O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado na metade de abril, com a adição de uma emenda, apresentada pelo senador Jaques Wagner (PT-BA) que minimiza um pouco a aceitação tácita dos riscos mediante autorização do ente regulador.               

Em seguida foi encaminhada para a Comissão de Assuntos Econômicos, onde o senador Otto Alencar (PSD-BA) foi indicado como relator.

Após fiasco da NZIA, ONU tenta outra vez envolver seguros na transição energética

Envolver o setor de seguros na luta contra as mudanças climáticas está sendo mais difícil do que o esperado, mas a Organização das Nações Unidas parece disposta a tentar outra vez.

Depois do fiasco do programa Net Zero Insurance Alliance, o programa da ONU para o meio-ambiente, UNEP, lançou uma nova iniciativa com o fim de promover um “diálogo estruturado” entre seguradoras e outros stakeholders para acelerar ações voluntárias do setor para mitigar as mudanças climáticas.

A menção a um “diálogo estruturado” já revela que a missão do Forum for Insurance Transition to Net Zero (FIT) é bem menos ambiciosa do que a da NZIA, que previa objetivos concretos de redução de emissões até 2050 graças a ações de seguradoras e resseguradoras, mas foi à deriva nos últimos dois anos depois que vários participantes deram para trás alegando riscos regulatórios.

O FIT se propõe metas como criar marcos para a redução voluntária de emissões graças a políticas de investimento e subscrição e elaborar políticas para usar os seguros como um impulsor da transição energéticas pelas empresas.

Medo das consequências

A NZIA começou a fazer água no começo do ano passado, quando gigantes do setor, como a Munich Re, Hannover Re, Swiss Re, AXA, Tokio Marine, Allianz e Zurich, deixaram a iniciativa sob o argumento de que sua participação poderia expor-lhes a ações de combate a cartéis em diferentes jurisdições.

A retirada coincidiu com o arrefecimento do movimento anti-ESG em várias partes do mundo, especialmente nos Estados Unidos.

Desta vez, o FIT conta a participação de 19 subscritores, a maioria europeus, incluindo grandes do setor como a italiana Generali, as britânicas Beazley e Aviva, e a francesa CNP Assurances.

Nenhuma seguradora brasileira faz parte do novo projeto, ainda que a SUSEP seja um dos entes regulatórios que o estão apoiando.

Faltam, porém, as grandes resseguradoras e os principais grupos globais do mercados de P&C, que fizeram muito alarde inicialmente de sua participação no NZIA, mas logo desistiram da ideia. A UNEP diz que espera que mais empresas se juntem ao FIT na medida em que o programa se consolide.

O mais difícil é botar a mão na massa

Mesmo com a falta de engajamento aos programas da ONU, não há dúvidas de que as empresas do setor continuarão dizendo as coisas certas e publicando relatórios muito caprichados sobre seus esforços no combate às mudanças climáticas.

Tampouco há dúvidas que vai continuar sendo difícil que estes esforços se traduzam em políticas efetivas de subscrição de riscos que façam diferença no mundo real.

Um estudo publicado este mês pela ONG Shareaction reflete bem a distância que existe entre o discurso e a prática no setor.

A ONG analisou as políticas ESG de 65 dos maiores subscritores do mundo, 29 das quais no mercado P&C, de acordo com 30 critérios ligados às mudanças climáticas, biodiversidade e temas sociais. Metade do grupo recebeu as notas E e F, as mais baixas possíveis.

A Shareaction afirma que as políticas de subscrição das seguradoras ainda permitem que projetos nas áreas do carvão e petróleo e gás sejam cobertos e, assim, recebam investimentos. “

As restrições que existem hoje estão recheadas de exceções, permitindo que empresas do setor de combustíveis fósseis comprem coberturas de seguros pelas portas dos fundos.

Relatório Insuring Disaster 2024, da Shareaction

Os autores do estudo só encontraram quatro subscritores que, na visão deles, fazem esforços reais em convencer seus clientes a atuar em favor da transição energética.

A ONG também diz que o debacle da NZIA é um sinal de que o setor está se arrependendo dos compromissos de combate às mudanças climáticas assumidos até o momento e que, na sua opinião, já são bastante fajutos.

A situação ainda é pior no campo da biodiversidade, afirma o estudo, segundo o qual as políticas de subscrição também ignoram em grande medida temas como direitos humanos, direitos trabalhistas e saúde pública. Só o tema do controle das armas de fogo parece ser levado a sério.

Fonte: Shareaction

“Quase dois terços das seguradoras (pesquisadas) impõem algum tipo de restrições a investimentos em (fabricantes de) armas que geram polêmicas, e 40% aplicam restrições de subscrição; muitas vezes, isso é obrigatório por lei”, afirma o documento.

“Um número muito menor de seguradoras restringe investimento ou subscrição de riscos com base em violações de direitos humanos, produção de tabaco ou outros temas sociais.”

É preciso admitir que não é fácil

O argumento contrário a este tipo de crítica é que, especialmente em termos de subscrição de riscos, é mais fácil falar em seguir princípios ESG do que colocar ações em prática.

O mercado de seguros e competitivo, global e heterogêneo. Em muitas linhas de seguros, se uma empresa se recusa a oferecer coberturas para alguma atividade, ou exige contrapartidas para melhorar as práticas de sustentabilidade de seus clientes, alguém mais vai aparecer para oferecer as coberturas em condições mais aceitáveis.

O NZIA aparecia como uma forma de consolidar os esforços do setor e reduzir o risco de free riding, mas as pressões competitivas e políticas se provaram fortes demais para que os participantes comprassem de vez a ideia.

Especialistas dizem que esse tipo de pressão, no mercado atual, só funciona em mercados altamente concentrados, onde a saída de uma empresa causa significativo problema para os clientes, ou em setores que são menos interessantes economicamente para os subscritores.

O petróleo e gás provavelmente se encaixa no primeiro caso, já que as exposições são gigantescas, e o setor têm tanta dificuldade em encontrar capacidade suficiente que há décadas mantém uma empresa mutualista para ajudar na transferência de riscos.

Já o setor carvoeiro tem tudo para ser um dos primeiros a sofrer com a transição energética, apesar da sobrevida que recebeu desde a invasão russa da Ucrânia.

Regulação de sinistros mais sustentável

Há quem defenda que a subscrição nem é a melhor arma das seguradoras para ajudar a transição energética. Na verdade, seria na regulação de sinistros que o setor realmente poderia fazer a diferença.

Por exemplo, quando um sinistro exige reparar equipamentos de empresas, ou propriedades residenciais, que se utilizem materiais que as tornem menos poluidoras.

Ou que se proponha a substituição de um veículo com motor a combustão por outro que seja híbrido ou elétrico, em caso de perda total em um acidente.

Claro que isso também aumentaria os custos das seguradoras com o pagamento de sinistros, instigando-as a aumentar os preços, arriscando-se assim a perder clientes.

Por isso, há quem defenda que algum tipo de intervenção estatal ou setorial, por meio de subsídios ou fundos de compensação à transição energética, teria que ser estudada para convencer as seguradoras e resseguradoras a atuar de verdade em defesa dos princípios ESG.

Pelo momento, porém, o mais provável é que as promessas se reflitam em bonitas palavras, relatórios ainda mais bonitos, muitas perguntas nos formulários de subscrição, mas pouca ação efetiva.

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