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Após fiasco da NZIA, ONU tenta outra vez envolver seguros na transição energética
Caminho será longo: relatório de ONG afirma que o setor deixa muito a desejar em ações sustentáveis efetivas
Envolver o setor de seguros na luta contra as mudanças climáticas está sendo mais difícil do que o esperado, mas a Organização das Nações Unidas parece disposta a tentar outra vez.
Depois do fiasco do programa Net Zero Insurance Alliance, o programa da ONU para o meio-ambiente, UNEP, lançou uma nova iniciativa com o fim de promover um “diálogo estruturado” entre seguradoras e outros stakeholders para acelerar ações voluntárias do setor para mitigar as mudanças climáticas.
A menção a um “diálogo estruturado” já revela que a missão do Forum for Insurance Transition to Net Zero (FIT) é bem menos ambiciosa do que a da NZIA, que previa objetivos concretos de redução de emissões até 2050 graças a ações de seguradoras e resseguradoras, mas foi à deriva nos últimos dois anos depois que vários participantes deram para trás alegando riscos regulatórios.
O FIT se propõe metas como criar marcos para a redução voluntária de emissões graças a políticas de investimento e subscrição e elaborar políticas para usar os seguros como um impulsor da transição energéticas pelas empresas.
Medo das consequências
A NZIA começou a fazer água no começo do ano passado, quando gigantes do setor, como a Munich Re, Hannover Re, Swiss Re, AXA, Tokio Marine, Allianz e Zurich, deixaram a iniciativa sob o argumento de que sua participação poderia expor-lhes a ações de combate a cartéis em diferentes jurisdições.
A retirada coincidiu com o arrefecimento do movimento anti-ESG em várias partes do mundo, especialmente nos Estados Unidos.
Desta vez, o FIT conta a participação de 19 subscritores, a maioria europeus, incluindo grandes do setor como a italiana Generali, as britânicas Beazley e Aviva, e a francesa CNP Assurances.
Nenhuma seguradora brasileira faz parte do novo projeto, ainda que a SUSEP seja um dos entes regulatórios que o estão apoiando.
Faltam, porém, as grandes resseguradoras e os principais grupos globais do mercados de P&C, que fizeram muito alarde inicialmente de sua participação no NZIA, mas logo desistiram da ideia. A UNEP diz que espera que mais empresas se juntem ao FIT na medida em que o programa se consolide.
O mais difícil é botar a mão na massa
Mesmo com a falta de engajamento aos programas da ONU, não há dúvidas de que as empresas do setor continuarão dizendo as coisas certas e publicando relatórios muito caprichados sobre seus esforços no combate às mudanças climáticas.
Tampouco há dúvidas que vai continuar sendo difícil que estes esforços se traduzam em políticas efetivas de subscrição de riscos que façam diferença no mundo real.
Um estudo publicado este mês pela ONG Shareaction reflete bem a distância que existe entre o discurso e a prática no setor.
A ONG analisou as políticas ESG de 65 dos maiores subscritores do mundo, 29 das quais no mercado P&C, de acordo com 30 critérios ligados às mudanças climáticas, biodiversidade e temas sociais. Metade do grupo recebeu as notas E e F, as mais baixas possíveis.
A Shareaction afirma que as políticas de subscrição das seguradoras ainda permitem que projetos nas áreas do carvão e petróleo e gás sejam cobertos e, assim, recebam investimentos. “
As restrições que existem hoje estão recheadas de exceções, permitindo que empresas do setor de combustíveis fósseis comprem coberturas de seguros pelas portas dos fundos.
Os autores do estudo só encontraram quatro subscritores que, na visão deles, fazem esforços reais em convencer seus clientes a atuar em favor da transição energética.
A ONG também diz que o debacle da NZIA é um sinal de que o setor está se arrependendo dos compromissos de combate às mudanças climáticas assumidos até o momento e que, na sua opinião, já são bastante fajutos.
A situação ainda é pior no campo da biodiversidade, afirma o estudo, segundo o qual as políticas de subscrição também ignoram em grande medida temas como direitos humanos, direitos trabalhistas e saúde pública. Só o tema do controle das armas de fogo parece ser levado a sério.
Fonte: Shareaction
“Quase dois terços das seguradoras (pesquisadas) impõem algum tipo de restrições a investimentos em (fabricantes de) armas que geram polêmicas, e 40% aplicam restrições de subscrição; muitas vezes, isso é obrigatório por lei”, afirma o documento.
“Um número muito menor de seguradoras restringe investimento ou subscrição de riscos com base em violações de direitos humanos, produção de tabaco ou outros temas sociais.”
É preciso admitir que não é fácil
O argumento contrário a este tipo de crítica é que, especialmente em termos de subscrição de riscos, é mais fácil falar em seguir princípios ESG do que colocar ações em prática.
O mercado de seguros e competitivo, global e heterogêneo. Em muitas linhas de seguros, se uma empresa se recusa a oferecer coberturas para alguma atividade, ou exige contrapartidas para melhorar as práticas de sustentabilidade de seus clientes, alguém mais vai aparecer para oferecer as coberturas em condições mais aceitáveis.
O NZIA aparecia como uma forma de consolidar os esforços do setor e reduzir o risco de free riding, mas as pressões competitivas e políticas se provaram fortes demais para que os participantes comprassem de vez a ideia.
Especialistas dizem que esse tipo de pressão, no mercado atual, só funciona em mercados altamente concentrados, onde a saída de uma empresa causa significativo problema para os clientes, ou em setores que são menos interessantes economicamente para os subscritores.
O petróleo e gás provavelmente se encaixa no primeiro caso, já que as exposições são gigantescas, e o setor têm tanta dificuldade em encontrar capacidade suficiente que há décadas mantém uma empresa mutualista para ajudar na transferência de riscos.
Já o setor carvoeiro tem tudo para ser um dos primeiros a sofrer com a transição energética, apesar da sobrevida que recebeu desde a invasão russa da Ucrânia.
Regulação de sinistros mais sustentável
Há quem defenda que a subscrição nem é a melhor arma das seguradoras para ajudar a transição energética. Na verdade, seria na regulação de sinistros que o setor realmente poderia fazer a diferença.
Por exemplo, quando um sinistro exige reparar equipamentos de empresas, ou propriedades residenciais, que se utilizem materiais que as tornem menos poluidoras.
Ou que se proponha a substituição de um veículo com motor a combustão por outro que seja híbrido ou elétrico, em caso de perda total em um acidente.
Claro que isso também aumentaria os custos das seguradoras com o pagamento de sinistros, instigando-as a aumentar os preços, arriscando-se assim a perder clientes.
Por isso, há quem defenda que algum tipo de intervenção estatal ou setorial, por meio de subsídios ou fundos de compensação à transição energética, teria que ser estudada para convencer as seguradoras e resseguradoras a atuar de verdade em defesa dos princípios ESG.
Pelo momento, porém, o mais provável é que as promessas se reflitam em bonitas palavras, relatórios ainda mais bonitos, muitas perguntas nos formulários de subscrição, mas pouca ação efetiva.
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