NY x JBS e a exposição das empresas ao risco americano

Ação por suposto greenwashing ilustra ameaças legais e à reputação de quem tem negócios ou está listado nos EUA

Deu no New York Times, e desta vez não foi o sucesso da Feira de Acari que chamou a atenção da mídia americana.

Na semana passada, veículos de comunicação de todo o mundo noticiaram que a promotoria geral do estado de Nova York estava abrindo uma ação contra uma empresa do setor de carnes sob a acusação de que ela pratica o chamado greenwashing.

A empresa em questão é a JBS USA, filial americana do grupo brasileiro JBS. A fiscal responsável pelo caso é Laetitia James, que está sempre sob os holofotes, especialmente graças aos processos que move contra o ex (e possivelmente futuro) presidente americano Donald Trump.

Em nota oficial, a JBS USA rejeitou as acusações. Mas, independentemente do mérito da questão, o episódio, que ainda vai dar muito pano para a manga, traz importantes lições para as empresas brasileiras, especialmente no que diz respeito à letra “G” da sigla ASG.

Porque, ainda que o foco da ação seja a letra “A”, de ambiental, o que mais chama a atenção é o nível de exposição aos riscos de governança a que uma empresa brasileira está sujeita no mercado americano.

Ações coletivas

No caso da JBS, a exposição é mais do que clara: o grupo possui uma operação gigantesca nos EUA e é a sua unidade americana que é citada por James.

Mas a Justiça americana, e outros stakeholders lá sediados, como acionistas e investidores, não necessitam de tanto motivo assim para entrar com ações contra empresas de outros países.

Especialistas em seguro D&O, por exemplo, dizem que basta que uma empresa tenha um ADR listado na Bolsa de Nova York para que alguém se anime a processar uma empresa cuja ação desvalorizou por alguma barbeiragem ou desonestidade dos administradores.

O ADR é um instrumento que permite que uma ação listada na B3 seja negociada nos EUA. Há vários níveis de ADR, e em geral se considera que são os de nível 3, que estão mais sujeitos ao escrutínio da SEC, a CVM americana, que criam maior risco de problemas legais nos EUA.

Mas especialistas dizem que já precedentes de decisões judiciais negativas mesmo contra empresas que emitiram ADRs com níveis mais baixos de exigência legal (ainda que não necessariamente companhias brasileiras).

Não para por aí

Mas não é necessário ter uma ação vendida na Bolsa Nova York para que uma empresa seja alvo de uma temida ação coletiva de investidores, por exemplo.

Títulos de dívida negociados em mercados internacionais sob a jurisdição americana, que é a mais aceita por investidores globais, também podem colocar os emissores em águas turvas no caso de problemas de governança.

Um bom exemplo é o interminável conflito entre a Argentina e credores que sofreram seus calotes nas últimas décadas, alguns dos quais conseguiram embargar judicialmente bens que pertencem ao governo argentino e que estavam fora do país.

Isso sem falar nos casos em que são os próprios órgãos reguladores americanos que decidem por a mão na massa.

Um caso recente foi o acordo fechado pelo IRB(Re) com o Departamento de Justiça americano, no valor de US$ 5 milhões, para encerrar uma ação ligada ao escândalo bursátil de quatro anos atrás.

Outro foi a multa de US$ 56 milhões aplicada pela SEC no ano passado à Vale por seu papel na tragédia de Brumadinho – um desastre que nem mesmo ocorreu em território americano.

Vale lembrar que a SEC agora está criando obrigações de transparência em áreas como a luta contra o câmbio climático e a segurança cibernética que muitas empresas ações negociadas nos EUA podem muito bem ter que seguir.

Guerra cultural

Como se não bastasse o risco legal, a ação da fiscal James mostra como as empresas podem acabar se metendo em um campo ainda mais minados – o das guerras culturais que tomaram os EUA de assalto.

James alega que a companhia está fazendo greenwashing ao prometer zerar sua pegada de carbono até 2040, ao mesmo tempo em que, separadamente, promete aumentar sua produção de produtos à base de carne.

Ela argumenta que, para aumentar sua produção em uma atividade reconhecidamente muito poluidora, a empresa terá que aumentar sua pegada de carbono, e não a diminuir.

Os esforços de greenwashing da JBS USA detonam as contas bancárias dos americanos e a promessa de um planeta mais saudável para as gerações futuras.

Leatitia James

James segue que, ao fazer tais promessas a um público cada vez mais ávido por produtos que respeitam o meio-ambiente, a empresa está enganando o consumidor, já que claramente não conseguirá atingir sua meta.

Ou seja, greenwashing puro e duro. Para reforçar a acusação, ela cita entidades que regulam o mercado publicitário que já haviam demonstrado suas dúvidas quanto à honestidade dos anúncios publicados pela JBS.

O prévio envolvimento da JBS em relatórios de grupos ambientalistas, ademais de escândalos como a gravação de reuniões de seu dono, Joesley Batista, com o presidente Michel Temer, em 2017, certamente ajudam a tornar o nome da empresa um alvo fácil para os promotores americanos.

Por outro lado...

Mas uma ação desse caráter, em que se tenta condenar um crime que ainda não se cometeu e que de certo modo não se sabe se vai ser cometido (e se a JBS conseguir se descarbonizar até 2040?), tende a causar controvérsia, especialmente em um país onde o movimento ASG sofre uma forte oposição.

Não é para menos que o veículo de mídia que saiu em defesa da JBS foi a página editorial do The Wall Street Journal, uma espécie de porta-voz da direita racional americana.

Seu argumento (de James) é que comer carne é ruim para o clima, e que a JBS enganou os consumidores ao convencê-los a comprar seus produtos com promessas excessivamente ambiciosas de reduzir suas emissões. Sério. Esta é a ação.

The Wall Street Journal, 6/3/2024

“Na visão dela, o crime da JBS é fazer aquilo por que ela está no mercado – produzir carne para satisfazer uma demanda crescente,” segue o editorial.

Se a ação vai levar a algum tipo de punição é impossível hoje dizer. Quem sabe a fiscal James consiga avançar em suas ambições políticas e o caso caia no ocaso. Ou a JBS de fato logre descarbonizar suas operações em 2040.

Agora mesmo, porém, o nome da empresa está sendo jogado de um lado para o outro na intratável guerra cultural que tomou conta da política americana.

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