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Risco de não ter seguro preocupa empresas na França
Possibilidade de que o mercado deixe de oferecer capacidade para riscos ligados às mudanças climáticas gera debates em encontro anual de gerentes de riscos franceses

Fazia um frio tremendo, mas o tempo ajudou os Rencontres neste ano (Foto: Divulgação)
Todos os anos, em fevereiro, a RSB visita o belo balneário de Deauville, no norte da França, um ponto de encontro da elite francesa conhecida por suas corridas de cavalos, seus cassinos e sua relação com os anos dourados do cinema.
Um lugar ideal para visitar nos meses de verão no Hemisfério Norte. Mas o que levaria alguém a encarar o frio do Canal do Mancha no pior momento do inverno?
A resposta é a conferência anual da AMRAE, a associação de gerentes de riscos da França, um dos principais eventos do setor em todo o mundo. E não é só este seu correspondente quem considera uma boa ideia passar frio todos os anos em Deauville: neste ano, mais de 3,800 profissionais de riscos e seguros marcaram presença na conferência.
Boa parte do público era composta por gerentes de riscos, mas em sua maioria se tratavam de corretoras, seguradoras, resseguradoras e outras empresas do setor.
Gente que queria mostrar seus serviços e coberturas aos membros da AMRAE e não tinha medo de levar uma espinafrada dos combativos gerentes de riscos franceses.
Riscos que não se podem segurar
Nesse sentido, o grande motivo de queixas dos participantes dos 32º Rencontres de l’AMRAE é a possibilidade de que, em breve, as empresas não sejam capazes de comprar seguros para alguns de seus principais riscos.
O motivo por trás deste temor é o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos como as enchentes, tempestades tropicais, furacões e secas ao redor do mundo.
Muitas grandes empresas já enfrentam desafios sérios em seus esforços para proteger ativos localizados em lugares como os estados americanos da Flórida e da Califórnia e na Austrália.
Na Europa, o mercado para riscos de enchentes está se complicando na Alemanha e outros países.
Na França, não há falta de capacidade graças ao regime nat cat que vigora no país desde os anos 80 e que protege o mercado contra grandes perdas.
Ou ao menos isso é o que sempre fez. A pergunta agora é se poderá seguir cumprindo sua missão após um dramático aumento das perdas causadas por enchentes e secas nos últimos anos.
O sistema é financiado por uma sobretaxa obrigatória sobre os contratos de seguros Property e de automóveis assinados na França. Em janeiro, a sobretaxa subiu de 12% para 20% do valor do prêmio.

Sessão sobre cativas, todo um êxito neste ano em Deauville; seu correspondente,
à esquerda, estava olhando para o lado errado (Foto: Divulgação)
Onde estão os dados?
Os compradores de seguros franceses estão especialmente preocupados com o que consideram uma falta de preparação do mercado para enfrentar as mudanças climáticas, um tema já presente na conferência madrilenha da Ferma, em outubro.
Durante uma das sessões da conferência, Franck Grimonpont, diretor de Seguros da Suez Environnement, queixou-se de que o mercado gosta muito de falar sobre sustentabilidade, mas pouco faz em termos de buscar soluções que ajudem as empresas a mitigar os riscos das mudanças climáticas.
Atuando como promotor em uma simulação de julgamento da indústria seguradora por “crimes de não-segurabilidade”, Grimonpont disse que o mercado parece ter sido pego de surpresa pelas perdas catastrófica, apesar de que cientistas e organismos como a ONU vêm martelando sobre o tema há mais de três décadas.
Michel Josset, diretor de seguros da Forvia e vice-presidente da AMRAE, observou que as seguradoras poderiam fazer muitos pelos seus clientes se bolassem uma forma de compartilhar os dados sobre sobre sinistros e criando benchmarks que podem orientar os trabalhos de prevenção das empresas.
Para ele, as seguradoras deveriam também estar conversando com os compradores de seguros sobre como garantir que eles terão todas as coberturas necessárias dentro de cinco ou dez anos, ao invés de focar apenas nas próximas renovações.
Para Camel Sekkai, diretor de Seguros e Riscos da Petit Forestier, uma empresa de aluguel de automóveis, o mercado precisa fazer esforços para acompanhar seus clientes na digitalização e no uso de dados sobre seus negócios. Ele considera que as seguradoras ficaram bem para trás de outros setores nesse quesito.
O mercado responde
Paolo Ribotta, CEO da Zurich na França, admitiu que o mercado ainda tem muito o que avançar em termos de prover acesso a dados de melhor qualidade a seus clientes. Mas ele também observou que algumas empresas, como a própria Zurich, já estão elaborando benchmarks limitados a seus próprios sinistros e oferencendo-os, ainda que de maneira incipiente, a alguns clientes.
Outros foram um pouco mais incisivos na hora de apontar que todo mundo precisa melhorar neste aspecto.
Por exemplo, um executivo francês de um broker global comentou à RSB que, quando oferece modelos probabilísticos sobre o risco de enchentes para clientes, muitos ainda preferem gastar seus orçamentos em estudos sobre riscos de incêndio ou de quebras de equipamento.
Por sua vez, Christophe Gaudron, CEO da Guy Carpenter na França, levantou a possibilidade de que o regime nat cat francês, apesar de suas virtudes, pode ter criado um incentivo negativo para que as empresas invistam em medidas para aumentar sua resiliência contra enchentes e outros eventos.
Mercado brando
No lado positivo, a visão geral dos participantes do evento foi a de que o mercado de seguros global já não está mais tão duro e que hoje já é possível obter preços mais baixos, limites mais generosos e até apólices de dois anos ou mais para vários tipos de riscos.
O mercado parece especialmente amigável em linhas como D&O e cyber, além de seguros property sem exposição catastrófica e de responsabilidades sem exposição aos Estados Unidos.
Por outro lado, todo mundo parece convencido de que as franquias não vão baixar. Em realidade, segundo Delphine Leroy, CEO da QBE na França, muitos compradores estão aceitando até reter um pouco mais de risco a fim de obter preços que encaixem melhor em seus orçamentos.
Isso também ajuda a explicar por que a criação de empresas cativas como ferramentas de retenção de riscos está tão em moda hoje em dia na França, que em 2023 relaxou as regras contábeis e tributárias para esses veículos.
Outros temas que pautaram as discussões em Deauville foram a guerra comercial global, os riscos geopolíticos e a sanha regulatória da União Europeia.
As empresas também estão preocupadas com a cada vez mais clara realidade de que a Europa vai ter que se virar sozinha em temas como a defesa e o comércio, já que a aliança do bloco com os EUA de Donald Trump parece estar se aproximando a um ponto de ruptura.
De modo geral, a visão é de que os gerentes de riscos vão ter muito trabalho pela frente. E não só na França: o mundo se apresenta cada vez mais desafiador para as empresas.
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