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Setor de seguros busca em Madri como manter relevância na revolução do risco
Conferência de gerência de riscos foca em desafios para um setor que ainda tem que encontrar soluções para ameaças emergentes
Madri recebeu o setor de gerência de riscos e seguros para dois dias de debates intensos sobre o futuro do setor (Foto: Jorge Fernández Salas/Unsplash)
Nesta edição:
A nata do mercado de seguros europeu se reuniu há alguns dias em Madri para explicar a seus clientes o que está fazendo para cobrir riscos emergentes como as mudanças climáticas, a transição energética, os riscos cyber e a inteligência artificial.
Foram dois dias de intensos debates durante a conferência bienal da FERMA, a federação de associações de gerência de riscos europeias, na qual a RSB esteve presente. E uma das principais conclusões é que o setor não está fazendo o suficiente.
Reflexo deste sentimento foi a breve exposição feita por Julie Page, CEO da corretora AON para a região EMEA (Europa, Oriente Médio e África), no segundo dia do evento.
A indústria dos seguros está em uma batalha para permanecer relevante.
“As cadeias de suprimento estão sendo desestabilizadas, e muita coisa está acontecendo no mundo em termos de comércio e macroeconomia. Vivemos com inflação, e agora também com baixo crescimento. A IA generativa se está integrando a todos os modelos de negócio, e detrás dela vêm forças obscuras e ameaças que são igualmente sofisticadas.”
Page também listou as mudanças climáticas que estão gerando cada vez mais catástrofes secundárias como as inundações – na semana seguinte, cheias históricas mataram mais de 100 pessoas na própria Espanha – e as prolongadas secas que impactam a agricultura e os sistemas de saúde.
Ela adicionou a necessidade de atrair e manter mão-de-obra qualificada como outro desafio para o setor e mencionou pesquisa segundo a qual 75% dos empresários afirmam que suas companhias não estão preparadas para lidar com tanta mudança.
“Tampouco está o setor dos seguros”, alertou Page. “Enfrentamos uma revolução do risco e precisamos dar uma reposta a ela.”
Uma resposta ainda insuficiente
Para os gerentes de riscos europeus, até o momento esta resposta tem sido em grande parte inadequada.
Em setembro, a RSB compareceu também ao encontro anual da GVNW, a associação alemã de gerência de riscos, em Munique. O principal tema do encontro foram as maneiras como as seguradoras estão falhando em ajudar seus clientes em temas como a transição energética.
Durante o evento, Thomas Friedler, presidente da GVNW, interrogou sobre este tema Thomas Buberl, CEO da AXA, uma das principais seguradoras europeias.
Segundo Friedler, as empresas alemãs estão sofrendo com o fato de que as seguradoras gostam muito de falar sobre ESG, mas não estão fazendo nada para recompensar seus clientes que investem na transição de seus negócios para um modelo de baixas emissões de carbono.
Trata-se de um processo que exige fortes investimentos e, consequentemente, muita cobertura de seguros.
“Os clientes estão preocupados com as estratégias ESG (das seguradoras)”, disse Friedler na ocasião. “Algumas companhias acreditam que estão na direção correta, mas as seguradoras dizem que elas não estão.”
É um tema especialmente espinhoso para empresas em áreas como o petróleo ou o cimento, algumas das quais estão investindo em uma transformação completa de seus negócios. Mas as seguradoras, ao invés de ajudar, cada vez mais restringem a oferta de capacidade para tais setores, segundo os críticos.
Hoje, investir na transformação energética é uma grande desvantagem (para uma companhia), em comparação com as companhias que não estão fazendo tais investimentos.
A associação alemã também está tentando botar para funcionar uma plataforma de compartilhamento de dados sobre sinistros, o que ajudaria tanto compradores de seguros como subscritores a ajustar melhor coberturas e preços.
Um sonho antigo de gerentes de riscos europeus que o mercado sempre diz apoiar, mas que nunca sai do papel.
Capacidade em falta para riscos emergentes
Não é por acaso, portanto, que durante o fórum da FERMA em Madri também se ouviu muito a feia palavra “segurabilidade” em vários idiomas diferentes.
Muitas empresas têm a impressão de que há um número cada vez maior de riscos que não encontram apetite no mercado segurador. Algumas regiões, como o estado americano da Flórida, já apresentam sérios problemas para os programas corporativos.
Um estudo com gerentes de riscos de todo o mundo divulgado no evento reflete bem esta preocupação. Mais da metade (53%) dos participantes disse temer que dentro de algum tempo será impossível comprar seguros para algumas atividades e regiões que são chaves para os negócios de suas empresas.
Os riscos com maior possibilidade de isso acontecer são os danos à propriedade em regiões expostas a catástrofes naturais, apontados por 73%. Em seguida aparecem os riscos cyber (55%), perturbações na cadeia de suprimento (35%), a digitalização, incluindo a inteligência artificial (33%) e outros riscos tecnológicos (31%).
Eles também expressaram preocupação com o aumento de exclusões nas apólices e com clausulados que não satisfazem suas necessidades de cobertura. Outro tema mencionado foi a redução dos limites para riscos como as catástrofes naturais, responsabilidade do produto, responsabilidade ambiental e responsabilidade profissional.
É perturbador o fato de que metade dos gerentes de riscos acreditam alguns riscos e atividades não serão seguráveis no futuro próximo.
Hedemark buscou adotar um tom diplomático a respeito do tema, mas no final acabou convocando o mercado de seguros a deixar de papo furado e fazer algo a respeito.
“Nossos parceiros seguradores, muitos dos quais estão aqui neste fórum, continuam a nos apoiar, e estamos muito gratos por isso,” disse ela. “Mas agora vamos avançar para além do diálogo e atuar em algumas dessas críticas áreas de riscos para ajudar-nos a encontrar soluções de transferência de riscos.”
O setor precisa melhorar
Algumas seguradoras parecem que estão começando a prestar mais atenção nas queixas de seus clientes.
Em outro painel do fórum da FERMA, Dirk Vogler, que é membro do conselho da Allianz Commercial, disse que o setor pode fazer um trabalho muito melhor no que se refere a ajudar seus clientes a se proteger contra riscos emergentes.
Por exemplo, fazendo um uso mais inteligente da enorme quantidade de dados sobre exposições e sinistros que seguradores e resseguras têm em suas mãos.
Nossos modelos ainda olham para trás, e isso não ajuda a olhar para o futuro. Temos que usar os dados (de uma maneira) mais preditiva.
Vogler fez um chamado para que as seguradoras estejam mais abertas a cooperar com outros stakeholders do mercado, especialmente seus clientes. Segundo ele, é necessário também investir mais em inovação para apresentar soluções mais adequadas para um universo de riscos que não para de ampliar-se.
Um dos focos, em sua opinião, deve ser o desenvolvimento de maneiras para apoiar de verdade a transição energética.
“Investimentos enormes serão feitos no futuro nesta transição, e necessitamos estar preparados para apoiá-la com soluções criativas”, disse Vogler.
D&O e transição energética
Isso seria uma boa ideia, até porque hoje o mercado já está deixando seus clientes na mão em alguns temas relacionados com a tão almejada transição energética.
Um exemplo são as coberturas de D&O para executivos e diretores em empresas que estão no coração deste processo, segundo Lorraine Stack, diretora executiva e líder de Gestão de Riscos na corretora Marsh na Europa.
Ela observou que regiões como a União Europeia e vários estados americanos estão aprovando regulamentações cada vez mais rígidas em ligados aos princípios ESG, expondo líderes empresariais a custosos processos judiciais por parte de ativistas e outros grupos de interesse. As apólices de seguro D&O, porém, não refletem essa evolução.
O mercado de D&O está bem agora mesmo, comparado com 2021 ou 2022. Mas vemos um significativo aumento das exclusões de processos judiciais ligados às mudanças climáticas, em especial para nossos clientes do setor de energia. Isso nos preocupa um pouco. Há uma percepção de que a indústria seguradora está esperando que esta onda de processos ESG acabe passando.
Outro risco que é cada vez mais preocupante para as empresas é o da instabilidade política e geopolítica, nos quais também há motivos para se preocupar com a atuação presente do mercado de seguros.
Segundo Stack, as seguradoras estão aplicando de maneira inconsistente a interpretação das coberturas de riscos políticos em diferentes jurisdições, e isso está causando preocupação entre os compradores.
Mas as seguradoras exigem compromisso ESG de clientes
Ao mesmo tempo, cada vez mais seguradoras anunciam que estão deixando de trabalhar com empresas que, em sua opinião, não estão ajudando a combater as mudanças climáticas.
A Mapfre, por exemplo, disse na FERMA que vai aumentar o escrutínio sobre o setor minerador – uma atividade vital para os mercados latino-americanos onde a empresa é um ator dominante.
Ana Pedrouzo, subscritoria sênior de riscos Property na Mapfre Global Risks, disse que uma mineradora que quiser uma cobertura da seguradora espanhola vai ter que apresentar um rating ESG que confirme seu compromisso com transição energética.
O ESG se colocou no centro do processo de subscrição. Muitas, provavelmente a maioria das companhias agora terão que nos apresentar um rating de ESG, e nós não vamos subscrever seus riscos se esse rating não é bom o suficiente.
No lado positivo, ela disse que várias mineradoras estão investindo em melhorar seu compromisso com a sustentabilidade, e isso em parte se deve à pressão que o setor segurador está fazendo nesse sentido.
Outro exemplo de seguradora apertando seus critérios de subscrição com a sustentabilidade como argumento é a italiana Generali, que no último dia da FERMA anunciou que não vai mais vender seguros para projetos que ampliem a produção de petróleo e gás.
Cyber para todos?
Outra tarefa pendente para o setor segurador é a difusão das coberturas de riscos cibernéticos para além das grandes corporações.
É um argumento simples. Os hackers e as falhas de sistemas não querem saber se a vítima é um pequeno ou grande usuário de tecnologias da informação. Todos são alvo, quase que democraticamente.
Pois todos deveriam também ter acesso a seguros cibernéticos de acordo com sua capacidade de subscrição. O que não é o caso hoje em dia, já que as pequenas e médias empresas se caracterizam pela ausência de tais coberturas.
Lucien Mounier, o líder de riscos cyber da seguradora Beazley na Europa, disse à RSB que, para que isso aconteça, o mercado precisa apresentar produtos mais acessíveis para os clientes de pequeno porte.
Precisamos simplificar os clausulados (de seguros cyber), mas também ter (produtos) em que o serviço seja o principal.
Tal medida não interessaria apenas às pequenas empresas; as grandes corporações também se beneficiariam do aumento da segurança cibernética em suas cadeias de suprimento.
“Muitos dos gerentes de riscos que estão aqui (em Madri) representam grandes organizações, e muitas delas estão seguradas e possuem práticas de gerência de riscos cibernéticos robustas”, disse Mounier. “Mas às vezes o elo mais débil é o das pequenas empresas com quem elas trabalham. Como um setor, podemos fazer mais para incentivar as companhias de menor porte a se proteger também.”
Soluções para riscos sistêmicos: uma discussão que precisa chegar ao Brasil
Claro que não é só falta de apetite das seguradoras que restringe o acesso das empresas a capacidade para alguns riscos. Há vários riscos que realmente são difíceis para o setor engolir, devido às elevadas possibilidades de perdas catastróficas que eles representam.
Um deles é justamente o risco cibernético. Um dos eventos mais comentados em Madri foi falha em um software da empresa de segurança cibernética CrowdStrike, em julho, que afetou o sistema Windows e interrompeu a atividade de milhares de empresas ao redor do mundo.
Foi um aperitivo do que pode ser um apocalipse cibernético vindouro, um evento que cause tamanhos distúrbios na economia global que o setor segurador vai acabar indo para o bueiro.
Isso não interessa a ninguém, e há quem proponha a criação de ferramentas de mutualização de riscos apoiados pelos Estados – os chamados risk pools – para garantir que o risco cibernético continue a ser transferido para o mercado.
No fórum da FERMA, um representante da Pool Re, o pool catastrófico do Reino Unido, disse que a organização está elaborando uma proposta para apresentar ao governo britânico para criar um instrumento deste tipo para o risco cyber.
O Pool Re já cobre atos de terrorismo cibernético, dentro de suas políticas de riscos de terrorismo tradicional. Mas um dos objetivos da futura proposta seria justamente possibilitar que mais seguro cibernético seja vendido para as pequenas e médias empresas.
É uma ideia compartilhada por outros pesos-pesados do setor, incluindo a EIOPA, entidade que supervisa o mercado de seguros na União Europeia.
Em um recente encontro em Bruxelas, a presidenta da EIPOA, Petra Hielkema, defendeu a criação de PPPs para garantir a cobertura seguradora não só do risco sistêmico cyber, mas também os ligados a pandemias e às mudanças climáticas.
Soluções de resiliência que envolvam parcerias público e privadas ajudariam a adaptar, mitigar e gerenciar esses riscos. Deveríamos fazer a nossa parte para lidar com os riscos climáticos que impactam a sociedade. E não só para os riscos climáticos, mas também para o cyber e os riscos para a saúde das pessoas.
Enquanto isso, no outro lado do Atlântico, a proposta da CNSEg para melhorar a cobertura contra desastres naturais é acrescentar mais um imposto à conta de luz do cidadão. Está na hora do debate sobre o futuro do setor de seguros ser levado a sério também no Brasil.
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