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A proposta da CNSeg contra os desastres naturais: uma nova tunga na conta de luz
Mas debate na Câmara também discute ideias mais sofisticadas para gerenciar um risco que ganha frequência e intensidade no país
Inundação em Bacabal (MA) em abril de 2023 (Foto: Gabriel Correa/Agência Brasil)
A prevenção de desastres naturais nunca foi levada a sério no Brasil. Um debate ocorrido na Câmara dos Deputados nesta semana parece indicar que esta situação está começando a mudar.
Uma reunião da Comissão Especial sobre Prevenção e Auxílio a Desastres e Calamidades Naturais discutiu, durante três horas, ideias para mitigar e transferir o risco de desastres que são cada vez mais comuns e para os quais o Brasil está completamente despreparado.
Foram apresentadas propostas de envolver os mercados de seguros e os mercados de capitais no esforço, de modo a tirar um pouco da pressão sofrida pelas arcas públicas quando ocorrem episódios de enchentes, secas ou até os ciclones que têm atingido o sul do país ultimamente.
Por alguns momentos, o debate até deixou de lado o imediatismo que costuma caracterizar este tipo de discussão no Congress Federal..
O Brasil nunca tratou (desse tema) com o profissionalismo que devemos tratar.
Vieira de Mello presidiu a sessão e ressaltou a importância do tema com o exemplo do seu próprio Estado. Em março, o Espírito Santo foi atingindo por fortes cheias que causaram mais de 20 mortes e desabrigaram mais de 5.000 pessoas.
Mais um penduricalho na conta de luz
Não deixa de ser uma pena, portanto, que a ideia mais decepcionante da reunião tenha sido apresentada justamente pela CNSeg, a entidade que representa o mercado segurador no Brasil.
O presidente da organização, Dyogo Oliveira, levou à comissão a proposta de criar um Seguro Social de Catástrofe que garantiria uma indenização imediata de R$ 15 mil para as vítimas de enchentes, alagamentos ou desmoronamentos.
Para financiar este fundo, a CNSeg propõe a criação de uma taxa obrigatória de cerca de R$ 3 que seria adicionada à conta de luz dos contribuintes.
Oliveira não deixou claro como este fundo seria administrado ou que volume de sinistros seria capaz de cobrir.
Apesar de apresentar a proposta como uma ação do setor para mitigar riscos, tampouco explicou qual será a participação do mercado segurador no fundo.
A impressão que se têm, no momento, é que o mercado (ou ao menos a CNSeg) quer criar um novo imposto que cubra os sinistros causados por desastres naturais, sem que o mercado tenha que assumir nada desse risco. De repente pode até oferecer que as seguradoras administrem o fundo, cobrando uma modesta comissão pelo serviço?
No final, a conta cai no bolso do consumidor. Dizer que R$ 3 não faz diferença para ninguém soa até como crueldade em um país em que muita gente tem dificuldades para pagar sua conta de luz. Isso sem falar no caráter injusto do que parece ser uma taxação idêntica para todo o mundo, não importando o tamanho da conta.
Não deixa de ser irônico que o jornal Folha de S.Paulo reportou a proposta na página 9 de seu caderno Mercado do dia 17 de abril, quando na página 7 havia manchetado:
Governo procura mais R$35 bi para baixar a conta de luz.
Alguém pode argumentar que a taxa é cobrada junto com a conta de luz, e não representa, na realidade, mais gastos com energia. Para o consumidor, porém, qual é a diferença? Uma conta de luz com taxa extra continuará sendo uma conta de luz que é preciso pagar todos os meses, só que mais cara.
Ideias mais sofisticadas
A CNSeg afirma que a proposta é fruto de reuniões com o mercado e com especialistas e que visa adaptar para a realidade brasileira as experiências de outros países.
Parece que foi este último ponto o que mais pesou. Propostas que seriam mais eficientes, como a criação de um adicional catastrófico obrigatório às coberturas de danos à propriedade, como existe na Espanha e na França, têm poucas chances de progredir em um país em que ninguém gosta de pagar seguro.
Mas há outras maneiras de melhorar a gestão de riscos catastróficos, por exemplo, envolvendo mercados de seguros, resseguros e de capitais.
Durante a sessão, felizmente, algumas ideias nesse sentido foram apresentadas.
Isadora Carvalho Ferreira Buchala, que é uma analista regional de resiliência do ICLEI, uma entidade de apoio a municípios apoiada pelo governo alemão, explicou que experiências estão sendo realizadas no Brasil para melhorar a análise de riscos das prefeituras, com vistas a ser capaz de, ao final, transferir parte de suas exposições catastróficas ao mercado de seguros.
Pilotos em Porto Alegre e Curitiba já estão em um estado avançado e podem servir de modelo para outras cidades no futuro, afirmou Buchala.
Securitização
Já o economista Gesner de Oliveira, do Instituto de Inovação de Seguros e Resseguros da FGV, disse que a entidade está desenvolvendo um projeto de securitização de títulos que permitirá a governos municipais levantar recursos para reagir ao impacto de desastres naturais.
Hoje em dia até já existem títulos de renda fixa que podem ser usados com esse fim, as Letras de Risco de Seguro (LRS) recentemente aprovadas pelo Conselho Nacional de Seguros.
Segundo Oliveira, tais instrumentos podem atrair investidores tradicionais e também aqueles que aceitam um retorno um menor para implementar políticas de investimentos ESG.
As ferramentas de securitização também podem ser um instrumento atraente para investidores que têm mandatos filantrópicos e buscam colocar seu dinheiro em projetos para gerenciar o risco catastrófico, garantindo assim que os governos municipais consigam acesso a seguros mais baratos.
Gestão de riscos
Porque a melhoria da gestão de riscos, na verdade, é a grande vantagem de envolver o mercado de seguros na luta contra os efeitos das mudanças climáticas.
Como o mercado não quer ter que pagar sinistros, vai pressionar a todos os outros participantes para que invistam na gestão de riscos catastróficos. Se não, não tem seguro.
A utilização dos seguros fomenta a mitigação de riscos pelo ente federado.
É verdade que, para que o mercado participe, é necessário tomar medidas mais complicadas do que simplesmente criar uma nova tunga na conta de luz. Por exemplo, os eventos climáticos de maior relevância para o Brasil, como as secas e inundações, ainda são de difícil modelização pelas seguradoras.
Por esse motivo, como observou Rabello, empresas como o IRB(Re) estão investindo em suas capacidades de modelização. A resseguradora defende a criação de um centro de pesquisa sobre riscos climáticos para formar cientistas especializados nos riscos característicos do mercado local, disse ele.
Aprender com o que já existe
Há na realidade várias maneiras de o mercado se envolver na gestão e transferência de riscos catastróficos, algumas das quais envolvem o uso de coberturas paramétricas e de microsseguros, que podem ajudar o mercado levar a cobertura às camadas menos favorecidas da população. Com prêmios, quem sabe, próximos a R$ 3 mensais.
Nem todas as seguradoras gostam de microsseguros, que é uma atividade que exige muito trabalho de campo e muito volume para dar lucro. Mas, se o setor quer mesmo ajudar, de repente vale a pena considerar este tipo de ideia.
Dyogo Oliveira descreveu o Seguro Social como uma maneira de prestar auxílio imediato às vítimas de desastres naturais. Até para isso, porém, existem soluções mais criativas disponíveis no mercado.
Por exemplo, o Chile, o México e vários países da América Central e do Caribe emitem cat bonds no mercado internacional, com o apoio do Banco Mundial, para cobrir despesas de emergências em casos de terremotos e furacões, restringindo a exposição do governo a tais gastos.
Durante o debate, Isabel Blazquez Solano, CEO de Resseguro Brasil na AON, mostrou um slide com mais de duas dezenas de programas implantados em todos os continentes para transferir os riscos catastróficos do setor público.
Países com experiências na área incluem as Filipinas, a Turquia, a Índia e o Egito.
Será o caso de realmente tentar aprender algo dessas experiências e adaptá-las ao mercado brasileiro, poupando no processo a muito abusada conta de luz.
Algo já é progresso
Durante a reunião, Oliveira também mencionou planos para mitigar as exposições catastróficas dos produtores rurais e para a infraestrutura das cidades. Não foram dados mais detalhes, porém, sobre como funcionariam tais iniciativas.
Uma proposta mais concreta (ainda que nada detalhada) foi a de criar um seguro obrigatório contra o rompimento de barragens. Como já passou quase uma década depois da tragédia de Mariana, e cinco anos desde Brumadinho, não dá para ter demasiadas esperanças de que essa ideia avance muito no Congresso.
O fato é que processo legislativo vai levar seu tempo: uma proposta da deputada Tabata Amaral (PSB-SP) de criar um seguro obrigatório para desastres naturais está parado desde 2022 na Câmara.
Mas é inegável que o simples fato de haver uma discussão séria sobre o tema já é um avanço importante, e por isso deve ser celebrado.
Tenho certeza de que o Brasil começa a tomar medidas na direção correta do combate às verdadeiras tragédias derivadas das mudanças climáticas.
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