PLC 29/2017 avança com ameaças a resseguros e grandes riscos

Relator diz querer melhorar cobertura nat cat, mas mantém obstáculos a capacidade global

Nesta edição:

Projeto ‘Benjamin Button’ é aprovado com obstáculos ao resseguro global

Demorou, mas o dia que muita gente no mercado de seguros e resseguros temia finalmente chegou.

O Senado Federal aprovou na terça-feira, 18 de junho, o Projeto de Lei da Câmara número 9, de 2017, que cria um marco legal específico para setor de seguros no Brasil.

Um projeto que no mercado ganhou o nada carinhoso apelido de “Benjamin Button”, porque, a exemplo do personagem do filme, já teria nascido velho.

O texto do projeto ainda vai voltar à Câmara, já que sofreu modificações no Senado, mas a expectativa é que logo siga para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Descrito como uma prioridade do Ministério da Fazenda, que afirma que o projeto vai ajudar a fazer o mercado deslanchar, o PLC 29/2017 vem sofrendo críticas de entidades representativas do setor, como a Fenaber, que representa as resseguradoras, e a ABGR, que reúne grandes compradores de seguros.

Isso porque, entre outras coisas, deverá ter um impacto direto em temas que interessam, e muito, a quem compra seguros corporativos no Brasil.

Curiosamente, o relator do projeto no Senado, Otto Alencar (PSD-BA), disse que um dos objetivos é aumentar os níveis de cobertura de seguros contra desastres naturais. Isso apesar de que uma característica do projeto é dificultar o acesso à capacidade global de resseguros.

Se o Brasil conseguir encontrar mais capacidade catastrófica colocando obstáculos ao resseguro, aí sim estará introduzindo uma inovação muito particular à história do setor segurador.

Consumidor

Segundo a Fenaber, como está, o novo marco dos seguros vai causar uma redução significativa da capacidade de resseguro em oferta às cedentes brasileiras.

Já advogados advertem que a falta de diferenciação entre seguros massivos e de grandes riscos, uma das características do projeto, vai reduzir a capacidade dos subscritores de elaborar coberturas sob medida para as necessidades de grandes empresas.

Ou seja, o PLC 29/2017 coloca no mesmo balaio uma apólice de seguro de automóveis e uma que cobre uma frota de aviões.

Não importa se o comprador é um trabalhador e pai de família com recursos limitados ou uma grande empresa multinacional, ambos terão seus direitos defendidos com unhas e dentes pelo Estado.

Sem essa distinção textual de seguro massificado e grandes riscos, o Estado pode voltar a interferir de uma forma desmedida no mercado.

Walter Polido, Polido e Carvalho Consultoria em Seguros e Resseguros

Aumentar a proteção dos consumidores individuais é algo sempre bem-vindo, ainda que advogados digam que o PLC 29/2017 não faz nada por eles que a Lei de Proteção ao Consumidor já não faça.

O que os autores do projeto parecem ter esquecido de perguntar é se os grandes compradores de seguros corporativos e cedentes de resseguros querem ser alvo de tanta proteção.

Resseguros

Nos países onde o seguro para empresas é realmente desenvolvido, como os Estados Unidos, o Reino Unido e a França, a liberdade de negociação entre as partes é um princípio básico de funcionamento do mercado.

A Susep, em anos recentes, reconheceu essa realidade e aprovou medidas que facilitam a elaboração de coberturas sob medida e o acesso ao mercado global de resseguros.

O resultado é que mais empresas estão buscando capacidade de resseguros no exterior, o que não é nada surpreendentemente. Um mercado mais amplo é mais favorável ao consumidor. Além disso, o mercado global de resseguros oferece a possibilidade de encontrar coberturas inovadoras.

No primeiro trimestre do ano, segundo os dados da Susep, o volume de prêmios cedidos por cedentes brasileiro ao exterior aumentou 21,1%, na comparação com o mesmo período de 2023, chegando a R$ 3,4 bilhões.

Esse movimento, que, ao final das contas, representa que os níveis de proteção seguradora do mercado brasileiro estão mais elevados, agora pode chegar ao fim, segundo advogados.

O PLC 29/2017, de claro cunho nacionalista, estabelece que disputas entre as partes de um contrato de resseguro em que o risco se encontra no Brasil tem que ser necessariamente dirimido em cortes de arbitragem localizadas também no Brasil e que devem se limitar a interpretar a nova Lei de Seguros.

“Isso traz segurança jurídica para as relações contratuais, independentemente da assimetria de poder de mercado existente entre as partes”, afirmou o senador Alencar, após a aprovação do texto pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, mostrando que a velha visão de que o Brasil está sendo explorado pelos colonialistas estrangeiros continua viva e forte entre os parlamentares.

Mas se trata de uma interferência pouco justificada em um mercado em que é comum que os contratos contenham cláusulas de arbitragem em jurisdições mais maduras, como o Reino Unido, que concentra grande parte dos atores e da jurisprudência relacionada ao resseguro global.

Aceitação tácita

Outra norma que assusta as resseguradoras é que define que um contrato de resseguro será tacitamente aceito 20 dias após o recebimento da proposta, caso o cedente não receba uma resposta nesse período.

Isso significa que as resseguradoras devem adotar medidas para se proteger de riscos indesejados que acabam perdidos em suas caixas de e-mails recebidos. Por exemplo, recusando sumariamente, através de uma resposta de automática, todas as propostas que receberem por esse canal.

Em geral, o que se aproxima é uma tremenda onda de instabilidade jurídica no mercado, uma vez que contratos terão que ser revistos, e os clausulados, reavaliados, observa Marcia Cicarelli, sócia do Demarest Advogados.

Ela também prevê um engessamento de um mercado que estava evoluindo solidamente nos últimos anos.

O projeto de lei traz excessiva regulamentação das obrigações de seguro e, principalmente, de resseguro. Além disso, a aceitação tácita do contrato de resseguro altera a lógica da contratação e cria complexidades desnecessárias.

Marcia Cicarelli, Demarest Advogados

Desastres

A Fenaber vem alertando que essas e outras medidas contidas no PLC vão comprometer a oferta de capacidade de resseguro no Brasil. O que contrasta de maneira curiosa com algumas observações feitas pelo relator após a sessão do Senado em que o projeto foi aprovado.

Alencar observou que as recentes enchentes no Rio Grande Sul causaram danos estimados em R$ 10,4 bilhões, e que só 16% do total estaria coberto por seguros. E logo pontificou:

O ideal seria que o sistema nacional de seguros privados se aproximasse de absorver quase a totalidade desses riscos. Em mercados mais desenvolvidos, o setor securitário blinda a economia de eventos climáticos, assegurando tanto empresas, lavouras e comércio, quanto também fazendo a cobertura da infraestrutura pública, de pontes, da rede elétrica, de estradas etc.

Senador Otto Alencar (PSD-BA)

Resta saber como se vai fazer isso dificultando o acesso à capacidade global de resseguros, algo que os “mercados mais desenvolvidos” certamente procuram evitar. Isso sim será uma tremenda inovação.

Mercado global de corretores P&C cresce 13% em 2023

O mercado global de corretoras de seguros não-vida (P&C) cresceu 13% em 2023, atingindo um faturamento de US$ 76,6 bilhões (R$ 409 bilhões), mostra estudo da consultoria insuramore.

Considerando o impacto da inflação, a taxa de crescimento foi de 6,2%.

Segundo o estudo, a líder do mercado no final de 2023 era a Marsh, com US$ 10,8 bilhões (R$ 57,7 bilhões) de faturamento e uma fatia de 14% do mercado.

O grupo das cinco maiores corretoras de mundo, que também inclui, em ordem decrescente, a Aon, Gallagher, WTW e Acrisure, somam um market share de 37%, afirma o estudo.

Já as 15 líderes concentram quase 57% do faturamento total. A insuramore analisou os resultados de 300 corretoras de todo o mundo, representando cerca de 85% do faturamento total do setor.

Specialty e E&S

A insuramore observa que mais de 20 brokers aumentaram seu faturamento por 200% ou mais entre 2020 e 2024, especialmente graças ao desempenho positivo das linhas de seguros specialty em todo o mundo e das linhas de capacidade excedente (E&S) nos Estados Unidos.

Considerando segmentos específicos, o estudo conclui que a Marsh domina o mercado de varejo de seguros P&C para empresas, enquanto a Aon é a número 1 em resseguros, e a WTW, em seguros coletivos para empresas.

Das 300 empresas analisadas, 140 têm sua sede nos Estados Unidos, confirmando o domínio do mercado americano. França e Reino Unido sediam 26 cada, o Canadá, 16, e a China, 15.

Mais de 80% possui o capital fechado, mas os quatro maiores grupos – Marsh, Aon, Gallagher e WTW – estão listados em bolsa.

Crescimento

O levantamento da insuramore também reflete o esforço que vem sendo feito por várias empresas para aumentar sua presença no mercado global de seguros P&C.

Fonte: insuramore

A Howden, por exemplo, que vem abrindo ou adquirindo unidades em vários países e atualizou sua marca, postou um crescimento agregado médio de 49,1% nos últimos quatro anos, quando seu faturamento mais que triplicou, chegando a US$ 1,3 bilhão.

A Ardonagh, que no final de 2022 adquiriu o grupo MDS, registrou um crescimento médio de 32,1% ao ano, passando de US$ 412 milhões em faturamento em 2020 para US$ 951 milhões no ano passado.

Entre as líderes, a que mais cresceu no período foi a Acrisure, com 28,8% de média, fechando 2023 na quinta posição com US$ 2,9 bilhões de faturamento.

Resseguro melhora, mas falta de novos players impede mercado brando

A agência de rating AM Best melhorou sua avaliação para o mercado global de resseguros após observar uma notável melhoria nos resultados técnicos do setor.

Mas cedentes não devem ter demasiadas esperanças de que o desempenho positivo das resseguradoras nos últimos meses vai dar lugar a um mercado brando no futuro próximo.

De acordo com a agência, as resseguradoras globais conseguiram melhorar seus resultados graças a uma forte disciplina de subscrição, os aumentos de preços implementados nos últimos anos, e os níveis mais elevados de retenção de riscos exigidos das entidades cedentes.

Para a empresa, o endurecimento dos termos e condições dos contratos de resseguro contribuíram em muito para que o desempenho do setor melhorasse neste ano.

Dessa maneira, a AM Best decidiu passar o panorama de longo prazo para o mercado de resseguros de “estável” para “positivo”.

Sem disrupção

No entanto, o relatório divulgado pela AM Best nesta semana afirma que falta um elemento básico para que o mercado se abrande: novos atores que deem uma sacudida no setor.

O capital disponível para a indústria resseguradora é abundante, afirma a AM Best, mas os investidores não estão dispostos a apoiar companhias que entram no mercado com novos planos e uma subscrição de riscos mais agressiva.

Equipes de gestores com boa reputação têm sido incapazes de levantar capital para criar start-ups que teríamos visto em outros ciclos de mercado duro. Esta falta de disrupção por parte de novos entrantes permite a manutenção da disciplina por parte de players mais experientes que ainda estão se recuperando de perdas sofridas em anos anteriores.

AM Best

Pelo contrário, o que a agência espera é que o mercado se concentre em processos de consolidação e na busca por riscos de alta qualidade.

“Cedentes e resseguradoras realinharam seus papéis (no mercado), e o resseguro voltou ao seu papel histórico de provedor de proteção para os balanços, ao invés de uma ferramenta para estabilizar os resultados (das cedentes)”, afirma a AM Best no relatório.

Além disso, os instrumentos de transferências de riscos aos mercados de capitais, ou ILS, também agora são vistos pelo mercado mais como ferramentas estratégicas para dispersar riscos catastróficos do que como uma competição para as resseguradoras tradicionais.

Segundo a AM Best, isso acontece porque os ILS, que também voltam a atrair mais capital, estão mais voltados aos patamares superiores dos programas e aos mercados de retrocessão.

ROE, juros e furacões

A AM Best observa que várias resseguradoras apresentaram resultados espetaculares em 2023, em muitos casos obtendo rentabilidade (ROE) superior a 20%.

Isso porque, além de apertar os termos e condições, o mercado tem mostrado pouco apetite por oferecer coberturas de proteção agregada de riscos e focado na cobertura de riscos definidos de forma específica.

Além disso, tem havido uma mudança desde coberturas proporcionais para coberturas de excedentes, e as coberturas de resseguros estão começando em pontos cada vez mais altos dos programas de seguro.

Com tantos cuidados, não é de estranhar que os níveis combinados tenham caído para baixo de 90%, garantindo resultados técnicos positivos para os subscritores.

Some-se a isso o impacto positivo dos prologados juros altos sobre os portfólios de investimento, e não há dúvida de que hoje é um bom momento para ser ressegurador.

Resta saber se esse cenário positivo vai sofrer alguma alteração nos próximos meses, quando a temporada de furacões no Atlântico Norte promete ser bastante complicada.

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